Título: A MULTIPLICAÇÃO DOS PIRATAS
Autor: Selma Schmidt
Fonte: O Globo, 07/08/2005, Rio, p. 21

Vans e Kombis clandestinas já chegam a 18 mil e ameaçam a segurança no trânsito

Com ou sem disfarces para aparentar serem credenciadas a fazer transporte complementar, cada vez mais vans e Kombis ocupam as ruas do Rio e as estradas de acesso à cidade. Esse universo pirata é calculado em 18 mil veículos, mais do que o dobro do total de carros legalizados. A estimativa é do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Autônomos em Transportes Alternativos do Estado do Rio (Sintral), Guilherme Bisserra. Segundo ele, do total de vans e Kombis em situação irregular, 12 mil fazem linhas municipais e seis mil trajetos intermunicipais. Números próximos da realidade, segundo o Departamento de Transportes Rodoviários (Detro) e a Superintendência Municipal de Transportes Urbanos (SMTU).

Somando-se os 5.995 veículos municipais e 1.920 intermunicipais cadastrados, a disputa pelo mesmo mercado envolve quase 26 mil carros e se reflete na segurança do trânsito. Num corre-corre para ganhar tempo e passageiros, motoristas de vans (piratas e cadastradas) são flagrados avançando sinais, ultrapassando pela direita, levando passageiros em pé e dirigindo em alta velocidade, por acostamentos e em vias exclusivas de ônibus. Eles se valem de alto-falantes para chamar usuários, param em pontos de ônibus e colocam bancos de plástico para improvisar mais um ou dois lugares. Um cartaz no pára-brisa com o número do ônibus que faz o mesmo percurso é outro recurso para atrair passageiros.

Na Avenida Brasil é comum encontrar vans e Kombis entrando na faixa de ônibus e saindo dela, conforme se aproximam ou se afastam dos radares. Na Niterói-Manilha, de manhã, o acostamento é do transporte alternativo. Também pela manhã e no fim da tarde, não é raro se deparar com vans com passageiros em pé e até sentados nas janelas na Auto-Estrada Lagoa-Barra e na Estrada da Gávea.

¿ Estou atrasado. Sei que é arriscado andar em pé em van, mas o ônibus demora muito ¿ conta o eletricista Mário Matias, de 23 anos, morador de Rio das Pedras, ao desembarcar de uma van na Rua Padre Leonel Franca, na Gávea.

Denúncias contra vans duplicam

Diante de tamanha imprudência, acidentes são inevitáveis. O Corpo de Bombeiros contabilizou 974 com vans em 2004 e 496 de janeiro a julho deste ano na Região Metropolitana ¿ uma média de mais de dois por dia. No total, na mesma região, a corporação registrou 9.352 acidentes em 2004 e 5.184 este ano.

As denúncias contra vans duplicaram. Dados do Disque-Denúncia revelam que o número de relatos passaram de 189, nos primeiros sete meses de 2004, para 449 de janeiro ao fim de julho deste ano. A cobrança de taxas ilegais (para cooperativas, policiais e traficantes) encabeça os registros. Também há muitas denúncias sobre uso de vans para carregar drogas e armas, sobre guerra pelo controle de linhas e sobre infrações de trânsito.

Campo Grande e Ilha do Governador são responsáveis por um terço dos registros feitos pelo Disque-Denúncia na capital este ano. Em Campo Grande, 23 denúncias foram sobre cobrança irregular de taxas por cooperativas. Na Ilha, segundo algumas das 33 denúncias de extorsão, traficantes do Dendê e dos Bancários cobram pedágio de motoristas para que possam passar perto das favelas.

O presidente do Detro, Rogério Onofre, revela que, recentemente, recebeu da Secretaria de Segurança um relato do Disque-Denúncia sobre um plano para matar fiscais do órgão em Niterói, em represália à proibição de uma cooperativa continuar operando:

¿ Meus funcionários estão com medo de andar em carros com o logotipo do Detro ¿ conta.

Onofre acrescenta que suas ações são limitadas:

¿ A questão das vans envolve o crime organizado. Dependo da PM para poder agir.

A licitação de linhas de vans intermunicipais, determinada pela Justiça, chegou a ser suspensa no mês passado. Onofre garante, no entanto, que o edital será lançado em breve, sendo mantida a idéia de conceder licenças aos trabalhadores autônomos. A SMTU ainda está preparando a licitação para as vans municipais, que deve ser realizada por grupos de bairros.

¿ A saída para todas as questões envolvendo vans e Kombis passa pela licitação das linhas direcionada para os trabalhadores autônomos. As cooperativas funcionam como biombos para a extorsão ¿ acusa o presidente do Sintral.

Por sua vez, o presidente da Federação das Cooperativas de Transporte Alternativo do Rio, Adamor Júnior Lopes Portal, diz que as cooperativas cobram taxas administrativas mensais para custear despesas com luz, funcionários e aluguel de galpões:

¿ A Rio da Prata, que funciona em Bangu e Madureira e é maior cooperativa da cidade, por exemplo, oferece reboque, médico e até motores para os 700 associados.

Segundo o Sintral, porém, os donos de vans não pagam apenas a taxa administrativa. Os valores e os tipos de contribuição variam conforme a área de circulação dos carros. Guilherme Bisserra cita cobranças semanais (destinadas a cooperativas) e diárias (repassadas a traficantes e policiais). Controladores de pontos também cobram pelo serviço.

¿ Há motoristas que chegam a gastar R$150 por dia com essas taxas ¿ diz ele.

Falta de segurança é a principal crítica

A falta de segurança é o aspecto mais negativo das vans, segundo pesquisas anuais feitas pelo Ibope, a pedido da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor). Na última, realizada em 2004, 55% dos 1.512 entrevistados citaram a insegurança como o principal problema das vans. E o percentual de insatisfeitos com esse item vem aumentando: foi de 28% em 2001 e de 46% em 2002.

¿ Sei que a van não é um transporte seguro. Mas é mais rápido. O ônibus demora para chegar e ainda pára em muitos pontos ¿ afirma a doméstica Maria Josete Cabral de Melo, de 29 anos, que mora em Rio das Pedras e trabalha no Leblon.

A rapidez é, disparado, a principal razão do uso das vans, citada por 76% dos entrevistados na última amostra. As mesmas pesquisas revelam ainda uma acentuada deterioração dos serviços prestados pelos ônibus.

¿ O crescimento do número de vans, agravado pelo excesso de gratuidades, tem afetado a saúde financeira das empresas de ônibus. Os empresários têm dificuldades para fazer investimentos e, por isso, não conseguem reciclar os seus ônibus ¿ justifica o diretor de Comunicação e Marketing da Fetranspor, João Augusto Monteiro.

Dados da Fetranspor revelam que as vans e Kombis já transportam diariamente 1,6 milhão de pessoas, o equivalente a mais de duas vezes o número de passageiros pagantes de trens, metrô e barcas.