Título: DE OLHO NO PROGRESSO, GOVERNO TOMA TERRAS NA CHINA
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 07/08/2005, Economia, p. 34

Cerca de 50 milhões de agricultores já foram afetados. Áreas são entregues a projetos residenciais e industriais

PEQUIM. Cena 1: No início do ano, o pequeno produtor rural Gao Lading, da cidadezinha de Sanchawan, liderou um protesto de pequenos fazendeiros chineses contra o governo da cidade vizinha de Yulin, na província de Shaanxi. O governo tomou-lhes a terra pagando uma indenização de US$60 por cerca de 700 metros quadrados. Os camponeses acusaram os funcionários do governo de vender esta terra depois por 50 vezes mais, para empreendedores privados. Gao e outros 26 fazendeiros foram presos, alguns sentenciados a 15 anos de prisão, segundo o jornal ¿The Sanqin Metro Daily¿.

Cena 2: Hu Xuemei, uma pequena produtora rural de 68 anos da vila de Hongjiao, na província de Jiangsu, conseguiu que a Justiça chinesa lhe desse ganho num processo que move contra o Ministério da Terra. Ela conseguiu mudar uma decisão do ministério autorizando o comitê da vila a vender sua terra e as de outros 150 fazendeiros a um empreendedor para a construção de um conjunto de casas para estrangeiros e para a classe média emergente chinesa.

Os dois casos acima mostram uma face da nova China que faria o camarada Mao Tsé-Tung ¿ com toda a retórica de proteção aos camponeses da Revolução Comunista ¿ corar de embaraço. Para estimular o desenvolvimento industrial e o mercado imobiliário, o governo chinês vem confiscando as terras de produtores rurais ¿ numa média de 200 mil hectares por ano, segundo o próprio governo ¿ pagando indenizações pequenas e entregando estas terras para empresas construírem fábricas ou grandes conjuntos residenciais no estilo dos subúrbios das grandes cidades americanas.

O fenômeno ocorre basicamente ao redor das grandes cidades e na costa leste e sudeste do país, as mais ricas, e onde ficam os maiores centros consumidores. Pesquisa recente da prestigiada Academia de Ciências Sociais da China diz que o confisco de terras dos produtores rurais chineses vem agravando as contradições sociais. O resultado da pesquisa foi publicado com destaque no jornal ¿Diário do Povo¿, do Partido Comunista Chinês:

¿ O total de fazendeiros afetados pelos projetos industriais e de construção civil é de cerca de 50 milhões nos últimos 10 anos, ou cinco milhões de produtores rurais. O governo está atento a isso, mas as indenizações pagas são justas e é nossa intenção acelerar o processo de urbanização do país. Afinal, precisamos de mão-de-obra nas grandes cidades ¿ diz Liu Yun Zhou, chefe do Departamento de Informações do Ministério da Terra.

O governo de Pequim vive agora o dilema de um país que ainda possui uma grande população no campo (são 800 milhões dos 1,3 bilhão da população total, segundo estatísticas oficial) e precisa desesperadamente se modernizar sem criar desequilíbrios sociais graves.

¿Os protestos de fazendeiros são inevitáveis dadas as mudanças sociais enormes pelas quais o país vem passando¿, disse Chen Xiwen, vice-ministro do Grupo de Liderança para Assuntos Econômicos e Financeiros do Conselho de Estado em rara e franca entrevista ao jornal de Hong Kong ¿South China Morning Post¿.