Título: SOTAQUE EUROPEU SE ESPALHA EM NEGÓCIOS NO BRASIL
Autor: Carlos Vasconcellos e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 07/08/2005, Economia, p. 35

De lavanderias a usinas, empresas da Europa apostam no país e lideram o mercado de fusões e aquisições

Apesar dos juros, da crise política e dos altos e baixos do crescimento econômico do Brasil, as empresas européias continuam apostando no país. Corporações européias foram responsáveis por 48% das fusões e aquisições realizadas por estrangeiros no Brasil ano passado, segundo a consultoria KPMG. E esse número tende a crescer. Na consultoria Ernst & Young, por exemplo, 60% dos contatos para compras no Brasil realizados nos últimos meses foram de europeus.

A Ernst & Young tem entre seus principais clientes, nesta área, empresas da Europa que, este ano foram responsáveis por 41 do total de 96 fusões e aquisições envolvendo estrangeiros no Brasil até julho. Em todo o ano passado, foram 53 transações com europeus comprando ativos brasileiros. Fábio Marinho de Araújo, gerente sênior da Área de Fusões e Aquisições da Ernst & Young Brasil, afirma que, este ano, as intenções de compra têm se concretizado com mais freqüência.

¿ Em 2003, havia muitas consultas que não passavam desta etapa.

Os setores que mais despertam o interesse dos europeus, segundo Araújo, são software, farmacêutica, bens de consumo e varejo. Ele explica que as grandes empresas européias estão terminando de incorporar negócios nos novos membros da União Européia (desde maio de 2004, dez países, em sua maioria da Europa central entraram para o bloco) e, agora, voltam sua atenção para a América do Sul.

Setor açucareiro pode ser alvo de investimentos

Para o sócio da KPMG Corporate Finance André Castello Branco, o apetite dos europeus pelo mercado brasileiro deve-se ao baixo crescimento da Europa e ao fortalecimento do euro.

¿ A moeda forte ajuda a dar musculatura financeira para empresas européias ¿ justifica ¿ E o Brasil é visto como um país com grande potencial de crescimento.

A rede francesa de lavanderias 5àSec, presente em 32 países, sabe bem disso. A empresa chegou ao Brasil há 11 anos e hoje, o país já é o terceiro maior em número de lojas da rede, atrás apenas da própria França e de Portugal. A 5àSec acaba de comprar as 19 lojas da Vite à Sec e tem 220 unidades em 51 municípios brasileiros, por meio de franquias. A meta da rede é fechar 2005 com até 240 lojas. A empresa não revela o valor do negócio fechado com a Vite à Sec, mas cada unidade da rede requer investimentos de R$300 mil.

O presidente da 5àSec no Brasil, Nelcindo Nascimento, explica que em 1994, apenas 1% dos brasileiros usavam os serviços de lavanderia. Hoje, em torno de 3% da população têm esse hábito. Ele acredita que esse número pode chegar a 20%. Para se ter uma idéia, 80% dos franceses lavam suas roupas fora de casa.

De lavanderias a têxteis, a lista de interesses europeus no Brasil é extensa. Castello Branco, da KPMG, aponta como setores atrativos para os europeus, turismo, alimentos e agronegócios. Renato Gennaro, líder do Setor de Agronegócio da IBM Business Consulting Services, vê especialmente o setor sucroalcooleiro como alvo do interesse de estrangeiros, especialmente de europeus.

¿ O custo de produção da tonelada de açúcar na Europa é de US$475. No Brasil, não passa de US$175.

Não por acaso, a francesa Dreyfuss comprou, em 2004, a usina de açúcar de Jaboticabal, no interior de São Paulo. Gennaro acrescenta que também há oportunidades de consolidação na área de insumos agrícolas. Os fatos confirmam a análise: as empresas de fertilizantes Profertil e MTS foram compradas respectivamente pelo grupo francês Roullier e pela suíça Buscher Industries.

A onda de investimento européia, no entanto, não se limita às empresas que estão chegando. Corporações há muito estabelecidas no Brasil também estão apostando forte. É o caso da fabricante francesa de pneus Michelin. Depois dos investimentos na fábrica de Itatiaia, ela está gastando US$200 milhões na construção de uma fábrica de pneus de mineração e terraplanagem em Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Além disso, a empresa investe mais US$100 milhões na expansão de capacidade de sua fábrica de pneus de carga, no mesmo local.

¿ Vamos exportar cerca de 80% da produção dessa nova fábrica ¿ diz o diretor de Comunicação Corporativa da Michelin, Carlos Eduardo Pinho.

Já a boa qualificação da mão-de-obra foi um fator decisivo para a decisão da dinamarquesa Novo Nordisk de investir R$1 bilhão no país. Líder mundial no mercado de insulina, a empresa vai construir mais uma fábrica em Montes Claros, Minas Gerais. Antes de escolher o país, a empresa havia cogitado instalar a nova unidade na China.

¿ Decidimos pelo Brasil porque o país tem uma planta industrial mais madura ¿ explica Sérgio Noschang, vice-presidente da Novo Nordisk para a América Latina.

Pequenas empresas européias também virão

As pequenas e médias firmas européias também devem seguir o caminho do Brasil. Araújo, da Ernst & Young, espera que daqui a três ou cinco anos aumente a presença européia no Brasil, com essas empresas de menor porte. Algumas delas já estão chegando. É o caso da empresa de engenharia e produtos médicos alemã Escad, que fatura 16 milhões de euros por ano. Com clientes como Volkswagen e DaimlerChrysler, a empresa recentemente investiu R$2 milhões na abertura de uma filial no Brasil.

¿ Fica mais barato ter uma equipe aqui, para atender as filiais de nossos clientes ¿ diz Marta Stauber, diretora da Escad Brasil ¿ E os engenheiros brasileiros também podem atender clientes da Europa.