Título: Troca de papeis em Israel
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 07/08/2005, O Mundo, p. 38

Apesar de ser o líder da oposição no Parlamento, o senhor apóia o plano de retirada da Faixa de Gaza proposto pelo primeiro-ministro Sharon. Isto não é um paradoxo?YOSSEF ¿TOMMY¿ LAPID: A retirada é uma prova de que Israel está pronto para buscar a paz, mesmo sofrendo com o terror palestino e enfrentando resistência de uma parte sensível da sociedade. Após cinco anos de intifada, sair de Gaza é a única forma de tentarmos retomar o Mapa da Paz, proposto pelo quarteto (ONU, União Européia, Rússia e EUA). Como oposição, não tenho obrigação alguma e vontade alguma de defender o governo Sharon, mas a iniciativa é correta. Ele entendeu que a fábrica de colônias não responde às necessidades demográficas de Israel. Não queremos um país internacional, onde israelenses vivam fora da fronteira enquanto a população árabe cresce aqui dentro.Além de usar argumentos religiosos, a resistência dos colonos acusa o governo israelense de preparar a retirada na última hora, construindo casas temporárias em locais improvisados. O senhor acredita que Israel não se preparou para remover os assentamentos?LAPID: Preparar a remoção e realocação de oito mil colonos é uma operação complicada. Houve sim alguns entraves judiciais para decidir onde e como realocar, mas as casas e indenizações estão à espera de todos os removidos. O problema é que o Conselho de Yesha, responsável pelos colonos de Gaza e da Cisjordânia, fez um trabalho de propaganda e lavagem cerebral pedindo que as famílias não procurassem o governo para fechar acordo. Incentivaram e até mesmo impediram as famílias de buscar informação sobre as opções e as casas temporárias. Há muito incitamento da direita religiosa, de políticos da extrema-direita e até mesmo de rabinos. Se as famílias agora estão sob pressão, sem saber bem para onde ir, como ir e quando ir, não é por falta de organização do governo.O líder da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, vem enfrentando dificuldades em lidar com grupos radicais como o Hamas. O senhor não teme uma escalada do terrorismo após a retirada?LAPID: Abbas se comprometeu a enviar centenas de policiais palestinos para garantir a tranqüilidade da desocupação. O grande teste vai acontecer quando não estivermos mais lá. Ele terá de se ocupar em evitar uma guerra civil entre os palestinos, que andam inquietos desde a morte de Arafat. O governo não age de maneira racional e o Hamas tem apoio público e chances de conseguir o controle dos territórios. Se isso ocorrer, pode eclodir a terceira intifada. Neste caso, não há dúvidas de que Israel fará uma megaoperação militar na região para colocar ordem na casa. Mas isso não me preocupa. O que me preocupa é não retomar o Mapa da Paz e não seguir adiante na tentativa de resolver o conflito. O ex-premier trabalhista Ehud Barak apresentou planos de concessões aos palestinos semelhantes aos de Sharon e suas idéias nunca saíram do papel. Por que somente agora, sob um governo conservador liderado por Sharon, considerado o pai dos assentamentos, Israel consegue desmantelar suas colônias em Gaza?LAPID: Muitos governos trabalhistas já falaram em retirada unilateral, concessões e planos, mas infelizmente a esquerda israelense não tem força suficiente para implementar mudanças. Há boas idéias, mas a esquerda ainda é incapaz de levá-las adiante sozinha. Somente alguém com muita personalidade e experiência pode assumir uma tarefa como o desmantelamento das colônias. Esse alguém é Ariel Sharon. Sua mudança de atitude surpreende, mas não é a primeira vez que um líder mundial abre mão da ideologia e adota posturas diferentes. Vimos isso na França, com Charles de Gaulle e a independência da Argélia. O senhor acredita que Sharon conseguirá vencer a resistência da direita e recuperar o apoio perdido dentro de seu partido, o Likud, após a retirada? LAPID: Não se pode prever o que vai acontecer, mas é certo que o governo não sobreviverá por muito tempo e teremos novas eleições no ano que vem. A pressão interna do Likud sobre Sharon é grande. Acredito que ele não queira romper definitivamente com o partido, mas ele deve buscar outras alternativas. Uma das possibilidades é montar um novo corpo político de centro-esquerda, o chamado governo dos três velhos, comigo, Shimon Peres e Ariel Sharon juntos. Já conversei com ele e com Peres sobre isso, mas ainda não combinamos nada de concreto para o futuro. www.oglobo.com.br/mundoTroca de papéis em Israel Aliados de Sharon são contra a retirada de Gaza visando à paz, apoiada por seus opositoresJERUSALÉM. Um deles é membro do partido do premier Ariel Sharon e o outro, opositor. No entanto, quando se trata da retirada dos 21 assentamentos judaicos de Gaza e dos quatro na Cisjordânia, os papéis se invertem. Ex-general do serviço secreto interno, o Shin Bet, o deputado Ehud Yatom é um dos representantes da linha-dura do Likud de Sharon no Parlamento. A ala mais à direita, que se opõe ao desmantelamento dos assentamentos, conta com 13 deputados. ¿Esse plano é um absurdo. Sou contra porque ninguém pode dar sem receber nada em troca¿, dispara ele, membro da seleta Comissão de Assuntos Externos e Segurança do Parlamento. Do outro lado está Yossef ¿Tommy¿ Lapid, uma das línguas mais afiadas da política israelense. Ex-jornalista, entrou para a vida pública em 1999, na liderança do partido de centro Shinui, conhecido pela luta contra a intervenção dos religiosos ortodoxos na política. Em pouco tempo, conquistou a confiança do público laico, transformando o partido num dos mais influentes de Israel, com 15 cadeiras no Parlamento. Aos 74 anos, odiado pela direita e visto com receio pela esquerda, Lapid defende a retirada como forma de retomar as negociações de paz e diz que Sharon pode surpreender, rompendo com o Likud para terminar a carreira num bloco de centro-esquerda. A resistência da direita nacionalista à retirada de Gaza pode gerar uma onda de terrorismo judeu?EHUD YATOM: De maneira alguma. Até agora todos os protestos dos colonos contra a retirada de Gaza foram democráticos e de acordo com a lei. O atentado no norte foi realizado por um jovem louco. Existem, sim, grupos radicais que são monitorados pelos serviços de segurança como criminosos quaisquer, mas são uma minoria sem importância. É inaceitável que um judeu abra fogo e ataque quem quer que seja, mas daí a afirmar que existe a possibilidade de haver terrorismo judeu é um exagero. Isto sim é incitamento da imprensa contra as atividades anti-retirada. Como representante do Likud no Parlamento, o senhor não teme ir contra a decisão do primeiro-ministro Ariel Sharon de retirar os colonos da Faixa de Gaza?YATOM: Sharon é que vai contra os princípios do partido. Não apóio o plano por considerá-lo irresponsável, por ser uma saída sem compensação. Não há qualquer compromisso de que o terrorismo vá parar e que os esforços de paz serão retomados. É apenas um problema prático, e não uma questão de ideologia. Não penso no chamado Grande Israel, como alguns religiosos da direita. Penso que na prática o país nada ganha deixando Gaza. Quando o primeiro-ministro Menahem Begin devolveu o Sinai aos egípcios, havia um acordo, um esquema. Ninguém faz negócios sem receber garantias. Faltando menos de duas semanas para a evacuação dos assentamentos, parece que o movimento de resistência dos colonos perdeu a batalha...YATOM: Infelizmente não conseguimos deter o desmantelamento das colônias. Lutamos, votamos e tentamos impedir a desgraça de todas as maneiras legais possíveis, mas Israel é uma democracia e temos que respeitar a decisão. Isso não me impede de expressar minha revolta, dar apoio às famílias que perderão suas casas e protestar. Ainda haverá muitos protestos nas próximas duas semanas, e é preciso que a polícia e as forças de segurança sejam inteligentes para permitir que cidadãos de bem expressem suas idéias de forma legítima, sem usar violência. O rótulo de rebeldes dado pela imprensa israelense aos deputados do Likud que se opõem ao plano não incomoda?YATOM: Até nisso há uma inversão de valores por parte da imprensa. Eu e os deputados que se negam a pactuar com Sharon na retirada não somos os rebeldes do Likud. Somos os fiéis ao Likud, que é um partido de direita e nacionalista. Quem está indo contra as bases do Likud é o primeiro-ministro, e não nós. Tenho certeza de que haverá eleições após a retirada e não vamos apoiar um primeiro-ministro com um legado como esse. O senhor está decepcionado com Sharon?YATOM: Muito decepcionado. Ele sempre foi um grande símbolo do Likud. Não tenho idéia do que aconteceu com ele, do que se passa em sua cabeça, mas ele foi longe demais. Na ânsia de levar adiante o plano, ignorou o comitê central do partido, demitiu ministros, formou um governo sem nexo, no qual ninguém concorda com ninguém. Seu futuro é incerto e creio que não será o Likud. Sharon provou que pode fazer qualquer coisa.¿A retirada é uma prova de que Israel está pronto para buscar a paz, mesmo sofrendo com o terror palestino¿¿Não apóio o plano por considerá-lo irresponsável, por ser uma saída sem compensação¿