Título: EM BUSCA DE RAZÕES QUE EXPLIQUEM A DESTRUIÇÃO
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 07/08/2005, O Mundo, p. 40

Debate entre defensores dos ataques nucleares ao Japão e críticos da decisão ocorre desde a detonação das bombas

No momento em que a explosão da primeira bomba atômica completa 60 anos, o horror da destruição nuclear volta a assombrar com as imagens em preto-e-branco da devastação. Mas se as conseqüências são bem conhecidas, as causas para o uso da bomba praticamente se resumem ao estudo acadêmico. As razões ¿ ou a falta delas, que levaram os EUA a jogar as bombas sobre Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, e, três dias depois, sobre Nagasaki, matando 150 mil pessoas imediatamente e dezenas de milhares nos anos seguintes ¿ ainda geram polêmica.

¿ Nós, americanos, gostamos de pensar que lutamos a Segunda Guerra do lado dos anjos, e não discordo disso. No entanto, para vencer, usamos as ferramentas do demônio ¿ diz ao GLOBO George Urwin, historiador da Universidade Temple.

Os defensores da utilização da bomba se concentram no contexto da época. O grau de violência da Segunda Guerra Mundial justificaria os meios. Bombardear alvos civis não era uma novidade, mas algo usado desde a primeira semana da guerra pelos alemães, em Varsóvia.

¿ A idéia do bombardeio terrorista foi desenvolvida como uma resposta à guerra de trincheiras da Primeira Guerra Mundial. Com o tradicional desdém do soldado profissional pelos civis, decidiram que o modo mais rápido de se vencer a próxima guerra seria mirar os civis e as indústrias ¿ explica Urwin.

Etiópia, Guernica e Xangai são exemplos de locais que sofreram bombardeios contra civis antes da Segunda Guerra.

¿ O bombardeio a Tóquio, no qual 80 mil morreram num só dia, foi menos terrível porque não envolveu armas nucleares? Qualquer espécie de bombardeio que mata ou ameaça civis é aceitável? ¿ pergunta Caroline Cox, historiadora da Universidade do Pacífico, dos EUA. ¿ Terríveis como foram as bombas atômicas, não sei se foram moralmente mais repreensíveis do que os bombardeios incendiários de Dresden ou Tóquio.

Outro ponto ressaltado pelos defensores é a negativa do Japão em negociar. Os soldados teriam recebido ordens para resistir até a morte, como demonstrado na batalha de Okinawa, quando 12 mil soldados americanos e todos os 110 mil militares japoneses na ilha morreram.

¿ Se você fosse o presidente dos EUA e a inteligência dissesse que os japoneses lutariam até o último homem e você olhasse para Iwo Jima ou Okinawa, quando os japoneses lutaram como suicidas, como a al-Qaeda, o que faria? Eram xintoístas que acreditavam que o imperador era deus e que morrer por ele os levaria ao paraíso ¿ diz o historiador Donald Goldstein, da Universidade de Pittsburgh.

Calculava-se que os EUA sofreriam um número avassalador de baixas, algo entre 400 mil e um milhão de soldados.

Um fator que teria influenciado o ataque era a iminência da entrada da URSS na guerra contra o Japão, o que ocorreu dois dias depois do ataque a Hiroshima. Em quatro dias, os soviéticos ocuparam quase toda Manchúria, parte da Coréia e as ilhas Sakalina e Kurilas. Mas a própria entrada da URSS na guerra é um argumento usado por quem discorda da bomba, pois estes crêem que este foi o principal motivo da rendição japonesa.

Bombardeio convencional e cerco já derrotariam Japão

Quase todos acham que as bombas apressaram o fim da guerra. Porém, há quem diga que o Japão já estava derrotado e não duraria muito. Todo o território japonês já era bombardeado. Em março, cem mil pessoas tinham sido mortas em Tóquio por ataques aéreos. O país estava cercado e a quantidade de material bélico e comida atingira níveis criticamente baixos.

Com o passar dos anos, a questão moral ganhou cada vez mais relevância.

¿ A Segunda Guerra Mundial mergulhou a Humanidade na barbárie ao sancionar o massacre aéreo de grandes populações civis. A bomba atômica foi o resultado lógico de tais desdobramentos monstruosos. De várias maneiras, resume a essência da mais terrível guerra da História. É um gênio do mal que ainda temos que colocar de volta na lâmpada. Talvez isto nunca aconteça ¿ conclui Urwin.

¿ Este não é um debate que fatos resolverão, pois quaisquer provas que existam já foram usadas. É um exemplo de uma destas questões históricas interpretativas em que as pessoas terão julgamentos diferentes com base em seus próprios valores morais ¿ diz Robert McMahon, especialista em Guerra Fria da Universidade da Flórida.

Ou, como disse um sobrevivente, o padre alemão Cieslik, descrevendo o que pensou ao fugir dos incêndios provocados pela bomba: ¿Comecei a carregar meus livros, mas então pensei que não era hora para livros.¿