Título: PLANO COLÔMBIA CHEGA AO FIM SEM SUCESSO
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 08/08/2005, O Mundo, p. 18

Ações para combater o tráfico e o narcoterrorismo não dão resultado, apesar dos US$4,5 bi gastos pelos EUA

WASHINGTON. O Plano Colômbia está chegando ao fim: ele termina em dezembro e uma avaliação que acaba de ser feita pelo Congresso dos Estados Unidos, que aprovou os US$4,5 bilhões investidos ao longo de seus cinco anos de duração, mostra que o resultado é praticamente nulo.

O número de assassinatos e seqüestros foi reduzido significativamente. No entanto, a cocaína e a heroína continuam inundando o mercado - em especial o dos Estados Unidos. E os grupos guerrilheiros, embora mais pressionados, continuam dominando vastas áreas do território colombiano.

"Apesar da redução da violência e da erradicação de cultivos de coca e papoula, não se vê nenhum efeito em relação a preço, pureza e disponibilidade de cocaína e heroína nos Estados Unidos", diz um trecho do informe preparado pelo Serviço de Pesquisas do Congresso, divulgado na última quinta-feira.

Em relação aos grupos armados ele é igualmente claro: "As operações militares contra grupos armados ilegais se intensificaram, mas o principal grupo guerrilheiro de esquerda (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc) não foi derrotado e nem levado a querer participar de negociações de paz".

Bush e Uribe pedem mais US$713 milhões

O presidente George W. Bush solicitou ao Congresso que continue a ajudar a Colômbia em 2006, com um pacote de US$553 milhões em ajuda militar e antinarcóticos. Além disso, o presidente colombiano, Alvaro Uribe, quer mais US$160 milhões para financiar o seu controvertido plano de desmobilização dos grupos armados - inclusive os paramilitares - com base na Lei de Justiça e Paz, sancionada há poucas semanas.

No entanto, a perspectiva de um endosso ainda é vaga. O próprio governo americano dúvida que o Congresso aprove todo o financiamento. Segundo o subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, Nicholas Burns, a Colômbia precisa entender que os tempos mudaram e colocar mais dinheiro próprio no combate ao que os EUA definem como narcoterrorismo:

- Devido aos grandes investimentos que estamos fazendo no Iraque e no Afeganistão é natural que seja necessária uma colombianização dessa luta. Ou seja: que a Colômbia divida conosco o peso dos custos - disse Burns.

Por outro lado, há um claro descontentamento com o programa de desmobilização. O principal motivo é a resolução que determina que paramilitares e guerrilheiros que entregarem as armas ficarão praticamente impunes. E os que são pegos pelo governo colombiano - que exige a sua extradição para serem julgados por narcotráfico nos EUA - jamais serão extraditados. Pela Lei de Justiça e Paz, eles não são obrigados a confessar os crimes cometidos. E os promotores federais têm um prazo de apenas 36 horas para apresentar provas suficientes para indiciar essas pessoas.

Pena máxima na Colômbia é de 8 anos de prisão

Pela nova lei, caso os chefões - ou quaisquer outros - se entreguem e confessem ter participado de narcotráfico ou de matanças, serão condenado a penas que não ultrapassarão oito anos de prisão. E caso os condenados estudem ou trabalhem na cadeia, a pena pode ser reduzida em um terço. A grande vantagem é a de que uma vez condenados na Colômbia, eles se livram da extradição para os EUA, onde as penas são muito mais severas. Sem contar que não há uma investigação sobre os bens ilícitos que acumularam. Os desmobilizados só declaram aquilo que desejarem. E, portanto, poderão usufruir do seu butim:

- Apoiamos Uribe e o seu objetivo de pacificar a Colômbia. Mas também apoiamos o objetivo da Justiça, que é castigar os criminosos. Assim, a extradição é muito importante para nós - disse Burns.

Carl Meacham, consultor da Comissão de Relações Exteriores do Senado, que terá de aprovar a ajuda financeira à Colômbia, disse que sem uma mudança que permita a extradição será difícil obter a aprovação do pacote. Ele desabafou:

- O que nos preocupa é o descaso da Colômbia. Nós, afinal, somos parceiros. Colocamos mais de US$4 bilhões nessa luta e nem nos consultaram na hora de preparar essa lei, para que pelo menos ela fosse concebida de uma forma que nos interessasse.

Conflito causa perda de 7% do PIB

País nunca gastou tanto com segurança mas investimento teve êxito reduzido

WASHINGTON. Dois dados contidos no informe do Congresso americano sobre a avaliação do Plano Colômbia mostram que o verdadeiro custo da guerra interna vivida por aquele país há 41 anos supera as cifras habitualmente divulgadas pelos governos de Colômbia e Estados Unidos.

Um deles mostra que nunca foi gasto tanto com as forças de segurança quanto ultimamente: o equivalente a nada menos do que 4,5% do produto interno bruto (PIB) colombiano. O outro é ainda mais significativo: a economia do país chega a perder anualmente o equivalente a 7% do PIB por causa do conflito armado.

O documento registra, ainda, que o programa de fumigação aérea dos cultivos de folha de coca e de papoula, matérias-primas para cocaína e heroína, é bem menos exitoso do que afirma o governo colombiano. Embora tenham sido destruídos 560 mil hectares nos últimos cinco anos, a produção das drogas não foi afetada.

E o motivo é tão simples quanto óbvio: "A erradicação dos cultivos em uma área resulta no seu deslocamento para outras áreas". Ou seja: o governo mede e registra os campos fumigados, mas aparentemente não anota os novos, que surgem em outros locais. Em 2004 a redução do cultivo não foi significativa.

"A fumigação causa o desfolhamento, mas nem sempre mata a planta. Além disso, embora isso possa desencorajar, não evita o replantio de cultivos ilícitos", diz um trecho do informe. E acrescenta outro fator que precisa ser levado em consideração quando o assunto é abordado: "Os cultivadores estão lançando mão de terrenos menores e os estão intercalando com cultivos legítimos, o que torna difícil a inspeção aérea dos plantios". (J.M.P.)

Os grupos armados

Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia): Têm 17 mil integrantes e na semana passada recusaram a oferta do governo de negociar a troca de 500 guerrilheiros presos por 23 políticos e 47 militares seqüestrados. Só a aceitam se houver a desmilitarização das cidades de Padrera e Florida, no Valle do Cauca, sudoeste do país. E, além disso, exigem a repatriação dos guerrilheiros Simón Trinidad e Omaira Rojas, presos e extraditados para os EUA.

ELN (Exército de Libertação Nacional): Tem 5 mil integrantes e recusou a proposta do governo para participar de uma reunião no exterior para analisar um processo de paz. Ramiro Vargas, dirigente do grupo e seu porta-voz internacional, comunicou a Luis Carlos Restrepo, Alto Comissário Presidencial para a Paz, que para o ELN a iniciativa não passa de uma forma do presidente Alvaro Uribe tentar ganhar pontos para a reeleição.

AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia): Seus cerca de 18 mil paramilitares acenam com a possibilidade de aderir à nova Lei de Justiça e Paz, mas apenas de forma gradual e individualmente. Há um interesse político imediato do grupo: alguns dos desmobilizados se candidatariam às eleições parlamentares de 2006. A estimativa é que hoje 35% do Congresso colombiano já sejam ocupados por paramilitares e simpatizantes das AUC.

Legenda da foto: GUERRA SEM fim: soldados colombianos transportam corpos de guerrilheiros em Cucuta, em abril