Título: Questão de método
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 10/08/2005, O Globo, p. 2

A novidade maior no depoimento de Marcos Valério à CPI do Mensalão foi sua própria atitude. O homem estava ontem mais humilde, reconheceu seus erros e colaborou muito mais, ainda que não tenha dito tudo. Mas esta outra CPI também não conseguiu romper o círculo de giz em que se debate a dos Correios: não conseguiu desconstruir a história dos inusuais empréstimos bancários para suposto caixa dois do PT.

Os próprios membros da CPI dos Correios já se incomodam com o impasse nas investigações, exigindo mudanças no método de trabalho adotado até aqui. É um de seus mais aguerridos interpeladores, o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto, que diz:

¿ Estamos nesta situação porque a CPI está sem foco. Temos que entregar à CPMI do Mensalão o caso dos deputados envolvidos e nos concentrar no estudo dos documentos, na busca das fontes de recursos que abasteceram as contas de Valério, tanto públicos como privados. Se não fizermos isso, vamos convalidar a versão de que tudo não passou de crime eleitoral. Mas ao invés de encaminhar à CPI do Mensalão o que já apurou sobre o saque de dinheiro no valerioduto por deputados, a CPI dos Correios preferiu divulgar uma lista dos 18 deputados para os quais pedirá a cassação de mandatos. A consumar-se esta decisão ¿ pois ontem o relator Osmar Serraglio parecia estar desistindo dela ¿ a CPI dos Correios criará mais turbulências, além de sua disputa com a concorrente. Ontem o senador Aloizio Mercadante foi à tribuna dizer que, mesmo que pague um alto preço por isso, que seja acusado de estar defendendo a não-apuração e o abafamento, não pode concordar com tal quebra dos ritos e procedimentos. Outras CPIs, diz ele, não pediram a cassação de ninguém sem lhes garantir o direito de defesa. Na do Orçamento, parlamentares com o mandato ameaçado, como o senador Sergio Guerra, hoje membro da CPI dos Correios, conseguiram se salvar graças à boa defesa que apresentaram.

¿ A Constituição inglesa, ao ser adotada em 1215, instituiu mecanismos como o procedimento legal, o amplo direito de defesa e o contraditório para conter todas as formas de arbítrio. E desde então eles são pilares do estado de direito. Nossa Constituição os colocou entre as cláusulas pétreas, no artigo 5º, que define os direitos e garantias individuais. Sou dos que mais desejam esclarecimento e punição, até para que meu partido sobreviva. Mas não compactuarei com a transformação da CPI em tribunal de exceção.

Mesmo desistindo da iniciativa, a CPI dos Correios continua precisando, como diz ACM Neto, é de foco. E para isso, precisa também acabar com a briga interna que se estabeleceu com a criação das subrelatorias. Os senadores estão espumando porque os escolhidos foram todos deputados. O PFL, porque dos quatro sub-relatores, dois são tucanos (Fruet e Carlos Sampaio) e dois são petistas (Eduardo Cardoso e Abicalil). Como pano quente, deve ser criada uma sub-relatoria de fundos de pensão para ACM Neto. Mas a briga, em si, é um indicador do quanto estão conturbados os trabalhos da CPI dos Correios. O que de pior pode acontecer nesta altura é a perda de eficácia pela CPI-mãe.