Título: O OVO DA SERPENTE
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 10/08/2005, O País, p. 4

Nos últimos dias, três fundadores do PT deram entrevistas analisando a crise política em que o partido está envolvido, e uma opinião é comum: a disputa pelo poder interno é a origem da deterioração política do Partido dos Trabalhadores. Dois dos fundadores ¿ o cientista político César Benjamin e o economista Paulo de Tarso Venceslau ¿ deixaram o partido em situações diferentes, mas pelas mesmas razões: denunciaram ao próprio Lula, então presidente do PT, a malversação de recursos pela cúpula nos anos 90, e não tiveram o seu respaldo.

O outro, o deputado federal Paulo Delgado, de Minas, encontra-se marginalizado no PT há muitos anos, por ter uma postura independente no diretório nacional. Todos situam nos anos 90 o início da derrocada petista, sendo que Benjamin e Venceslau marcam esse período como sendo o ¿ovo da serpente¿, no qual teria sido gestado esse projeto de poder que acabou desaguando nas práticas de corrupção, aprofundadas quando o partido chegou ao governo federal.

Fundador do PT e coordenador da campanha de Lula a presidente em 1989, o cientista político César Benjamin foi entrevistado pelo programa Canal Livre da TV Bandeirantes e garantiu que ¿o que está aparecendo agora não é fruto de uma atitude individual intempestiva de alguns. É uma prática sistêmica que tem pelo menos 15 anos no âmbito do PT, da CUT e da esquerda em geral. Nesse ponto, a responsabilidade do presidente Lula e do ex-ministro José Dirceu é enorme¿.

Segundo ele, o que está aparecendo agora ¿é o desdobramento de uma série de práticas que começaram na gestão do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) no fim dos anos 90, quando o senhor Delúbio Soares foi nomeado representante da CUT na gestão do FAT. Isso se desdobra na campanha de 94¿. Esse tipo de prática, segundo César Benjamin, deu ¿ao grupo do Lula¿ uma arma nova na luta interna da esquerda. ¿Esse esquema pessoal do Lula começou a gerenciar quantidades crescentes de recursos, e isso foi um fator decisivo para que o grupo político do Lula pudesse obter a hegemonia dentro do PT e da CUT¿, garantiu Benjamin.

Ele participou também da coordenação da campanha de 1994, onde houve o que classifica de ¿a gota d¿água¿: o levantamento de recursos paralelos ¿sem que isso tivesse sido discutido na direção. Só o grupo de amigos do Lula participava desse tipo de decisão¿. César Benjamin diz que propôs abrir ao público o sistema de financiamento ¿e o próprio Lula foi quem me falou que não faríamos isso, sem explicar por quê. Depois ficou claro que havia um financiamento via bancos, empreiteiros, que nunca havia sido discutido na direção do partido¿.

Benjamin identifica ¿as impressões digitais desse esquema em Santo André, no caso Celso Daniel¿ e garante: ¿Estamos diante de um grupo que estava montando dentro do governo Lula o que talvez pudesse vir a ser o maior esquema de corrupção já conhecido¿.

Paulo de Tarso Venceslau, que foi companheiro de exílio do ex-ministro José Dirceu, dirige hoje um pequeno tablóide semanal intitulado ¿Contato¿, e foi expulso no começo de 1998, depois de denunciar um esquema de arrecadação de dinheiro junto a prefeituras do PT organizado pelo advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula, na casa de quem Lula morou durante anos, e proprietário da empresa Cepem. Em entrevista ao ¿Estado de S. Paulo¿, ele disse que deu ¿a eles essa grande oportunidade. Se tivessem aproveitado, e feito a depuração, não estaríamos vendo o filme de agora.¿

Há dez anos, Venceslau denunciou para Lula que Roberto Teixeira estava usando o nome dele para arrecadar dinheiro para o PT, ¿com métodos que não eram lícitos¿. Um relatório de investigação interna do PT, assinado por Hélio Bicudo, José Eduardo Cardozo e Paul Singer concluiu pela culpa de Roberto Teixeira, mas quem acabou expulso do partido foi Paulo de Tarso Venceslau.

Ele identifica esse episódio como o momento em que ¿Lula se consolida como caudilho e o partido se ajoelha diante dele¿. Para ele, ¿o poder do Lula passou a ser quase que absoluto diante da máquina partidária. Um caudilho com esse poder, um partido de joelhos e um executor como o Zé Dirceu, só podia levar a isso que estamos vendo hoje¿, garante Venceslau. Segundo ele, ¿evidentemente que Lula não operava, assim como não está operando hoje, mas como ele sabia naquela época, ele sabe hoje, sempre soube¿.

Já o deputado federal Paulo Delgado, em entrevista a Roberto D¿Ávila na televisão, fez uma análise sobre a história do PT e também identifica na luta interna desenvolvida a partir dos anos 90 a raiz da crise atual. Segundo Delgado, o PT ¿foi muito bem nos anos 80, e a campanha presidencial de 89 acelerou nosso processo político¿. A partir daí, ¿perdemos a chance de contribuir para o aperfeiçoamento teórico da esquerda depois da queda do Muro de Berlim. O PT era a esperança da esquerda democrática por que era um partido popular e se tornou o partido do socialismo democrático¿, analisa o deputado.

O deputado Paulo Delgado diz que esse papel não foi desempenhado por que o PT ¿entrou em uma luta interna, e a disputa pelo poder ultrapassou a idéia da consolidação teórica do PT. Com o oposicionismo deslumbrante do PT, tudo servia para fazer oposição¿.

Meu amigo músico Ricardo Silveira não tem nada a ver com os ternos de Lula. O nome do estilista é Ricardo Almeida