Título: MAIS UM DOBERMANN GANHA DIREITO AO SOL
Autor: Carla Rocha e Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 10/08/2005, Rio, p. 18

Desembargador argumenta que cães oferecem menos perigo que assaltantes e autoriza Hitchcock a sair de dia

Mais cães de raças consideradas ferozes, como pitbulls e dobermanns, estão sendo beneficiados por liminares. Um mês depois de a regulamentação de uma lei estadual proibir a circulação de pitbulls, rotweillers, filas e dobermanns durante o dia, liberando os passeios apenas das 22h às 5h, e mesmo assim com focinheira e enforcador, a Justiça do Rio autorizou anteontem que um dobermann tome banho de sol, desde que esteja com os acessórios de segurança. Um pitbull e outro dobermann já tinham conquistado o mesmo benefício, nas últimas duas semanas.

Ao conceder a liminar, o desembargador Sylvio Capanema ainda criticou, por tabela, o governo do estado: ¿Os cães, segundo ele, oferecem muito menos perigo que os assaltantes, pivetes, seqüestradores e outros tantos criminosos que circulam livremente pelas ruas, sem que o estado adote providências¿, escreveu em seu despacho.

Dono diz que dobermann estava em depressão

O mais novo beneficiado, como informou ontem Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO, é Jif Hitchcock, um dobermann de 2 anos que já ganhou prêmios em exposições e estava há um mês sem sair de casa, em Curicica. Seu dono, o biomédico André Luis dos Santos Figueiredo, conta que, nesse período, o cachorro entrou em depressão e engordou cinco quilos.

¿ Ele fazia esteira e natação três vezes por semana e caminhava diariamente. Tudo isso teve que ser suspenso. Quem preparou essa lei não tem o menor conhecimento sobre cachorros. Eles são animais domésticos, aptos para o convívio social. Deixá-los isolados só vai fazer com que fiquem agressivos e voltem a ser selvagens ¿ afirma André, que ainda tem sete collies em casa.

Para ele, todo cão deveria usar focinheira, independentemente da raça:

¿ Garanto que Hitchcock não ataca ninguém, mas, pensando na tranqüilidade das pessoas, acho que não só ele, como qualquer cachorro, deveria sair de focinheira.

A decisão do desembargador acirra a polêmica entre os que apóiam a chamada Lei do Pitbull e os que a acham muito severa. Na próxima segunda-feira, os 25 desembargadores do Órgão Especial do TJ vão se reunir para dar a palavra final sobre o recurso da Procuradoria-Geral do Estado contra as liminares concedidas nos últimos dias.

Procurado, o desembargador disse que a lei ultrapassou os limites do razoável:

¿ Assim como os seres humanos, os cães não nascem maus. Dependendo do criador, são extremamente dóceis. No caso que analisei, havia até o atestado de um veterinário afirmando que o animal poderia inclusive ter raquitismo por falta de sol ¿ disse Capanema, que acumula a experiência de dono de cão (um bull terrier de nome Maguila) e de vítima porque, quando estudante, foi mordido na perna por um pastor alemão.

Apesar de a tendência do Tribunal de Justiça ser acolher os pedidos dos donos de cães, a estilista Ana Cláudia Kruel Schmidt, moradora do Leblon, não teve a mesma sorte. Por uma questão técnica, sem apreciar o mérito, o desembargador Murta Ribeiro negou o passeio diurno para o dobermann Tango. Resultado: o cachorro, que vive em companhia de uma fêmea chamada Umma, só pega sol na varanda de seu apartamento na Avenida Delfim Moreira, no Leblon. A dona não se conforma:

¿ No dia seguinte ao anúncio da lei, fui com eles comprar focinheiras numa petshop e acabei tendo que ser escoltada pela polícia até minha casa. É um absurdo. Vou tentar agora uma liminar para Umma ¿ diz Ana Cláudia, acrescentando que sempre teve a preocupação de sociabilizar seus cães, inclusive levando-os para ver a saída das crianças do Colégio Notre Dame, que fica ao lado da casa de sua mãe.

Toda vez que sai uma decisão favorável à livre circulação dos cães, os donos se animam a brigar na Justiça. Primeiro a obter uma liminar para sua dobermann Charlote, Milton Blois, de Olaria, já tem cinco mandados de segurança na fila aguardando liminares. Enquanto isso, Charlote passeia enquanto os outros cães da família se contentam com o quintal de casa.

¿ Tenho que sair sempre na rua com o pedigree (certidão de nascimento do cachorro) e cópia da liminar, mas nunca fui parado pela polícia ¿ disse.

O advogado Frederico de Moura Leite Estefan já está se tornando especialista em entrar com mandados de segurança pedindo que os donos possam circular com os cachorros a qualquer hora. Ele foi o autor de dois dos três pedidos aceitos pela Justiça e também do pedido negado pelo desembargador Murta Ribeiro.

¿ Venho sugerindo aos clientes que andem com uma cópia da decisão no bolso, como um salvo-conduto, para evitar constrangimentos. Todas as autoridades têm que respeitar a decisão da Justiça.