Título: DENÚNCIA DE MENSALÃO NA ONU
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Fonte: O Globo, 09/08/2005, O Mundo, p. 26

Alto funcionário é preso e chefe do programa petróleo por comida é acusado de corrupção

NOVA YORK

Num escândalo de corrupção sem precedentes na história da ONU, um ex-alto-funcionário da Nações Unidas foi preso, o chefe do programa de petróleo-por-comida foi acusado de receber depósitos periódicos e até mesmo o secretário-geral da entidade foi posto sob suspeita por não ter fornecido informações para uma comissão que investiga um esquema de desvio de dinheiro. O comitê, comandado por Paul Volcker, ex-presidente do Banco Central dos EUA, divulgou ontem o terceiro relatório da investigação, no qual desvenda um sistema de corrupção no programa de US$67 bilhões (quase R$160 bilhões) que serviu para trocar petróleo do Iraque por alimentos e remédios entre dezembro de 1996 e 2003.

O relatório acusa o ex-chefe do petróleo-por-comida, o cipriota Benon Sevan, de ter desviado US$147.184 (R$350 mil), mas investiga a possibilidade de o rombo ser maior. Já ex-diretor do escritório de compras da ONU, o russo Alexander Yakovlev, foi acusado de ter recebido depósitos de US$950 mil (R$2,26 milhões), mas já foram encontrados indícios que poderiam elevar o valor para US$1,3 milhão, em ações relacionadas ao esquema iraquiano e a outras licitações. Sevan pediu demissão no domingo e Yakovlev, que já deixara a entidade há semanas, teve a imunidade diplomática retirada ontem. O russo, que está em Nova York, foi detido ontem e se declarou culpado. Sevan está em Chipre, o que impediria sua prisão segundo a comissão.

¿ Estas pessoas são funcionários de primeiro escalão da ONU. É muito grave para qualquer organização ter altos funcionários recebendo benefícios ilegais ¿ disse o juiz sul-africano Richard Goldstone, integrante da comissão.

De acordo com os investigadores, o ex-presidente Saddam Hussein participou do esquema, desviando US$1,7 bilhão.

A comissão averiguou que Yakovlev se aproveitava de seu conhecimento das licitações da ONU e oferecia informações privilegiadas para empresas em troca de subornos. Num caso que convenceu os investigadores de sua culpa, ele enviou um fax escrito à mão em que pedia entre US$150 mil e US$200 para uma empresa.

Annan acusado de não fornecer informações

A pequena quantia desviada por Sevan pode ser apenas uma parte do total, segundo suspeita a comissão. Além dos quase US$150 mil depositados em contas de Sevan e de sua mulher entre novembro de 1998 e outubro de 2001, há muitos depósitos em notas de US$100.

No esquema de Sevan estariam envolvidos dois parentes do egípcio Boutros Boutros-Ghali, ex-secretário-geral da ONU. Fakhry Abdelnour, dono da empresa Amep, e Efraim Nadler, tesoureiro, teriam sido favorecidos em contratos. A comissão investigou que foram feitos 868 telefonemas entre Sevan e os dois egípcios, sempre em datas próximas a depósitos. Abdelnour é primo de Boutros-Ghali e Nadler, cunhado.

¿Sevan, de forma corrupta e em conluio com Nadler e Abdelnour, angariou lucros pessoais através do programa recebendo dinheiro da venda de petróleo do Iraque¿, diz o relatório. ¿Os participantes sabiam que parte do petróleo era conseguido com pagamentos superfaturados para o Iraque.¿

O atual secretário-geral, o ganês Kofi Annan, também teve sua situação agravada ontem. Annan dizia que não tinha conhecimento de que a empresa em que seu filho, Kojo, trabalhava (a suíça Cotecna) apresentara uma proposta numa licitação milionária da ONU (que acabou vencendo). Porém, no informe divulgado ontem, a Cotecna enviou para a comissão de investigação um e-mail em que Annan discutia o contrato com a empresa antes da licitação. O russo Yakovlev também trabalhava para a Cotecna.