Título: O EXERCÍCIO DA LIDERANÇA
Autor: RUBENS BARBOSA
Fonte: O Globo, 09/08/2005, Opinião, p. 7

Orecente encontro de Assunção do Conselho do Mercosul, que reúne os presidentes dos países membros, e a atitude de nossos parceiros no tocante às eleições para o Conselho de Segurança da ONU e para a presidência do BID, propiciam, de novo, ocasião para algumas reflexões sobre a situação atual e as perspectivas do grupo regional e da política brasileira para a América do Sul.

As dificuldades para o Mercosul se afirmar como um grupo regional, com credibilidade e com um conjunto de regras que possa ser um instrumento útil para empresas nacionais e estrangeiras, derivam de aspectos institucionais decorrentes da aplicação do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul.

O seguido descumprimento do Tratado pelos países membros e a gradual ampliação do comércio administrado com acordos de restrição voluntária negociados por diversos setores empresariais vão criando mais e maiores obstáculos para a ampliação do livre-comércio. Essa situação tende a se agravar com a proposta da Argentina e agora do Paraguai de criar novas medidas restritivas, como salvaguardas, ao arrepio da letra e do espírito do Tratado.

A percepção de que o Mercosul está deixando de ser atraente para os países membros deriva, no fundo, da falta de vontade política das partes para definir prioridades, visando a corrigir desvios institucionais e aprofundar a integração. Falta uma diretriz comum, como aquela proposta pelo Brasil em dezembro de 2003, para buscar a efetiva implementação da União Aduaneira, com o fim das perfurações e a dupla cobrança da TEC, dos Regimes Especiais de Importação e a internalização das regras aprovadas pelos quatro países membros.

O Mercosul comercial, por outro lado, vai bem. As trocas comerciais entre os quatro países membros se ampliaram significativamente nos últimos dois anos e alcançaram em 2005 níveis equivalentes ao recorde histórico registrado em 1998, antes das crises no Brasil e na Argentina.

Os contenciosos comerciais são conseqüência mais da baixa competitividade dos produtos argentinos do que da agressividade das empresas exportadoras brasileiras, às voltas com o câmbio apreciado e com altíssimas taxas de juro. Essas questões estão sendo resolvidas de comum acordo e, apesar de desvio de comércio em alguns produtos, em favor do Chile e da China, não são fatores impeditivos para o incremento global das exportações brasileiras, até porque não representam mais de 5% do intercâmbio bilateral com a Argentina.

O Mercosul se aproxima da hora da verdade. Como nenhum governo ousará se expor ao risco político de propor seu término, o dilema é saber se ele permanecerá irrelevante ou se de fato se transformará em uma alavanca para o progresso da região.

Apesar da retórica pró-integração e pró-Mercosul do governo Lula, o Itamaraty parece estar na defensiva e sem propostas próprias para responder aos desafios do momento.

Se o processo de integração fosse de fato uma prioridade política, agora seria o momento de o Brasil reconhecer a crise institucional do Mercosul e adotar uma atitude pró-ativa com o objetivo de modificar essa situação.

A baixa prioridade do Mercosul para o atual governo brasileiro tem recebido duras respostas de nossos parceiros, que passaram a rechaçar a liderança brasileira na região. Repetidamente anunciada pelo governo Lula, essa liderança nunca foi tão contestada.

A política brasileira na América do Sul e no Mercosul terá de ser profundamente revista de modo a restabelecer uma atitude positiva e cooperativa. Não se pode seguir com sonhos irrealistas de liderança e de hegemonia, desmentidos a cada momento pelos fatos, como vem ocorrendo na eleição do Conselho de Segurança e como aconteceu nas eleições para diretor-geral da OMC e agora para a importante presidência do BID, em que o Brasil perdeu, no primeiro turno, para o candidato colombiano e não contou nem com os votos do Uruguai e do Paraguai.

Com a retomada das negociações na Alca, caso o governo Lula mantenha as atuais posições, o Brasil, mais uma vez, deverá ficar isolado no contexto sul-americano.

Levará tempo até que nossas relações com a América do Sul sejam recolocadas em seu leito natural, como ocorreu até 2002.

Liderança não se proclama, se exerce.