Título: Dirceu ajuda a incendiar CPIs
Autor: Lydia Medeiros/Adriana Vasconcelos/Gerson Camarott
Fonte: O Globo, 11/08/2005, O País, p. 3

Estimulado por ex-ministro, petista gaúcho divulga documento apócrifo e provoca confusão

A divulgação de uma lista apócrifa de políticos que teriam recebido dinheiro do empresário Marcos Valério de Souza, sem qualquer comprovante, provocou ontem troca de acusações e muita confusão na primeira reunião conjunta das CPIs dos Correios e do Mensalão. Em meio ao depoimento de Cristiano Paz, sócio de Valério, PT e PSDB entraram em confronto. O pivô da confusão foi o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), vice-presidente da CPI do Mensalão, que vazou a lista estimulado pelo deputado e ex-ministro José Dirceu (PT-SP).

O deputado Júlio Redecker (PSDB-RS) acusou Paulo Pimenta de ter pegado carona no carro de Marcos Valério ontem de madrugada, logo depois do depoimento à comissão. Pimenta reagiu dizendo que recebera do advogado de Valério uma lista complementar de beneficiários de saques nas contas de suas empresas.

Líder do PSDB quer cassar Pimenta

Os tucanos, indignados, alegaram que a lista é apócrifa e teria circulado na véspera, durante o depoimento de Valério à CPI do Mensalão. Da tribuna, o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), anunciou que vai propor a abertura de processo de cassação contra Pimenta por quebra de decoro.

Lando evitou fazer um pré-julgamento do comportamento de Pimenta na Mesa, afirmando que a questão será analisada no foro apropriado. O PSDB também requisitou o afastamento de Pimenta da vice-presidência da CPI. Provocado por Redecker, Pimenta defendeu-se atirando contra os tucanos:

- Não peguei nenhuma carona. Apenas acompanhei o senhor Valério até a garagem do Senado e lá seu advogado me entregou mais nomes, além dos 75 divulgados à CPI, que também teriam recebido dinheiro do empresário. Ele me explicou que não divulgara antes por não ter os recibos dos pagamentos. Mas quem quiser ver esta lista, ela está aqui à disposição de todos.

Diante da revelação, o presidente da CPI do Mensalão chegou a determinar que a assessoria técnica da comissão anexasse o documento à outra lista entregue por Valério. Foi o suficiente para que a confusão se instalasse no plenário.

- Isso é gravíssimo! O vice-presidente da CPI não pode receber documentos numa garagem, na surdina, e não dar conhecimento ao restante da comissão - protestou a deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP).

- Não haverá inquisição sobre isso agora. O deputado Paulo Pimenta protocolará o documento junto à CPI e ponto final! - retrucou Lando, tentando sem sucesso manter a ordem da sessão.

Todos correm para ver a lista

Em seguida, vários parlamentares correram até a mesa para tentar ver a lista apresentada por Pimenta. Lando levantou-se da cadeira e recolheu o documento, enquanto outro grupo cercou o advogado de Cristiano Paz, Marcelo Leonardo, o mesmo de Valério, que negou ter entregue qualquer documento ao deputado petista. No fundo do plenário, um parlamentar gritou:

- Tem gente com medo da lista!

Em nova tentativa de restabelecer a ordem na reunião, Lando esclareceu que o documento era o mesmo que circulara na véspera no plenário da CPI do Mensalão, enquanto Valério depunha.

- Trata-se da cópia de parte de um processo que tramita no Supremo Tribunal Federal que pode ter sido montado. Por isso estou requerendo a íntegra do processo para checarmos se essa lista é verdadeira ou não - anunciou Lando.

- O deputado Pimenta então mentiu! Mentir é quebra de decoro - berrou o deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS).

Mais tarde, o presidente da CPI do Mensalão informou ter consultado o Supremo Tribunal Federal e verificado que a listagem não consta no processo em tramitação na Corte.

O advogado Marcelo Leonardo não reconheceu a relação de beneficiários como autêntica. Segundo seu depoimento de Valério na Procuradoria-Geral da República, teriam sido tomados R$9 milhões em empréstimos para a campanha. Deste total, o empresário, explicou seu advogado, já prestou contas de R$6,4 milhões à CPI do Mensalão.

Segundo Leonardo, Valério entregou uma lista com os nomes de aproximadamente 70 pessoas que ele tinha comprovantes de ter pago. O resto do dinheiro, cerca de R$2,6 milhões, explicou o advogado, foi entregue ao então tesoureiro da campanha Cláudio Mourão. Portanto, só Mourão poderia prestar contas destes recursos.

Indignado, o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ) acusou Pimenta de estar querendo "esquentar" uma lista apócrifa e ameaçou reagir na mesma moeda a tentativa do PT de ligar mais tucanos a Valério.

- Isso é inadmissível estarmos discutindo uma lista apócrifa. Se for assim, eu também poderia divulgar as várias que tenho recebido por e-mail ou fax envolvendo, inclusive, familiares do presidente da República - ameaçou o tucano.

A oposição requisitou ontem mesmo ao Senado cópia da fita de vídeo do sistema de segurança para confirmar se o deputado Paulo Pimenta pegou ou não carona com Valério na madrugada de ontem. À noite, o senador Heráclito Fortes (PFL-PI) disse que a fita mostra Pimenta entrando no carro de Valério e indo embora. Pimenta acabou voltando atrás na sua versão:

- Quero dizer que esta lista, com capa do Supremo Tribunal Federal, estava circulando ontem (anteontem) na CPI. Vi com os nomes não batiam com os 75 apresentados pelo Valério. Pensei que era uma lista complementar. No fim do depoimento, então, resolvi acompanhá-lo até o carro e chequei agora com o advogado que essa lista não foi apresentada pelo empresário.

Redecker, por sua vez, insistiu na denúncia contra Pimenta:

- Não sei se ele (Pimenta) pegou carona, mas eu o vi entrando no carro de Valério e fechando a porta.

O comportamento de Pimenta foi criticado até mesmo por seus colegas de partido.

- Embora acredite que o deputado Pimenta só apresentou a lista para responder a uma indagação do deputado Redecker, tenho de admitir que todos nós devemos evitar qualquer tipo de contato com depoentes ou acusados que estamos investigando - reconheceu o deputado Maurício Rands (PT-PE).

Diante do clima de guerra instalado na sessão conjunta das duas CPIs, a senadora Heloisa Helena (PSOL-AL) desabafou:

- Ninguém agüenta mais esse caso de amor mal resolvido entre o PT e o PSDB.

No início da noite, depois de mandar assessores verificarem o conteúdo de processo no STF envolvendo Valério, Amir Lando garantiu que a lista era mesmo apócrifa.

POLÍTICA ENTERROU A CPI DO BANESTADO

As disputas políticas, como as que marcaram ontem a sessão conjunta das CPIs dos Correios e do Mensalão, já provocaram estragos no trabalho de investigação de comissões parlamentares de inquérito no país. A CPI do Banestado, encerrada em dezembro de 2004, levantou dados sobre 1,6 milhão de operações financeiras suspeitas envolvendo 550 mil pessoas físicas e jurídicas, mas não foi concluída por causa de brigas políticas.

Instalada no início de 2003, a CPI do Banestado poderia ter punido envolvidos e criado medidas para evitar a evasão ilegal de divisas, mas foi palco para enfrentamento entre governistas e oposição. O senador Antero Paes de Barros (PSDB), presidente da CPI, e o deputado José Mentor (PT), relator, brigaram do começo ao fim das investigações. Em 14 de dezembro de 2004, Mentor apresentou relatório propondo o indiciamento de 89 pessoas, entre elas o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco. Foi criticado porque deixou de fora o ex-prefeito Paulo Maluf e o bicheiro João Arcanjo Ribeiro, chefe do crime organizado em Mato Grosso. Uma semana depois, Antero apresentou outro relatório pedindo o indiciamento do atual presidente do BC, Henrique Meirelles, e absolvendo Gustavo Franco. A CPI morreu sem sequer votar um texto final.

Legenda da foto: PAULO PIMENTA (de barba, ao centro) cercado pelos colegas: ida ao carro de Valério provoca pesada discussão na CPI