Título: Dirceu terá aliado como relator de seu processo
Autor: Evandro Éboli/Isabel Braga
Fonte: O Globo, 11/08/2005, O País, p. 5

Júlio Delgado, do PSB, teve de sair do PPS, há dois meses, por ser considerado excessivamente governista

BRASÍLIA. O ex-ministro José Dirceu (PT-SP) e os demais deputados alvos dos processos de cassação por quebra de decoro abertos ontem pelo Conselho de Ética da Câmara não podem mais renunciar para escapar da perda dos direitos políticos. O relator escolhido pelo presidente do conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), para analisar o caso do ex-ministro é o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), um parlamentar da base do governo e que deixou o PPS há dois meses acusado de ser excessivamente governista. Até meados de novembro, quando expira o prazo de 90 dias para a conclusão do julgamento, vai estar definido o futuro político de Dirceu.

O ex-ministro passou a manhã de ontem em casa, tratando com advogados da defesa que fará no processo de cassação, e anunciou que continuará indo ao plenário e exercendo o mandato normalmente.

- Estou absolutamente sereno e tranqüilo porque não há nada contra mim - disse aos jornalistas em breve passagem pela Câmara.

Advogados analisam recurso ao STF

Dirceu ainda não descartou a possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que seja julgado pelo Conselho de Ética e, sim, no próprio STF. Os advogados do ex-ministro ainda analisam se recorrem ao STF sob alegação de que ele era ministro e não parlamentar na época dos fatos. O petista ficou insatisfeito com decisão da consultoria legislativa da Câmara que concluiu que, mesmo como ministro, ele não perdeu o status de deputado. Por isso, pode ser julgado por seus pares e corre o risco de tornar-se inelegível.

O conselho abriu ainda processo contra o líder do PL, Sandro Mabel (GO), e Romeu Queiroz (PTB). Se os três renunciarem agora ao mandato não escaparão do julgamento do conselho. Benedito de Lyra (PP-AL) irá relatar o caso de Mabel e Josias Quintal (PMDB-RJ), será o relator do processo contra Queiroz. Já a representação contra o deputado Francisco Gonçalves (PTB-MG) vai ser anexada a outros quatro processos contra Sandro Matos (RJ), Neuton Lima (SP), Alex Canziani (PR) e Joaquim Francisco (PE), todos do PTB, que já são analisados por três sub-relatores do conselho.

A tendência é que os processos contra os cinco sejam arquivados, já que não há provas mas apenas suposição do PL de que eles receberam dinheiro de caixa dois do presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), em suas campanhas.

O processo contra José Dirceu foi encaminhado semana passada pelo presidente interino do PTB, Flávio Martinez. O partido entrou com representação contra Sandro Mabel acusando-o de quebra de decoro por ter supostamente oferecido dinheiro para a deputada Rachel Teixeira (PSDB-GO) trocar sua legenda pelo PL. Rachel fez a acusação, mas Mabel nega. Gonçalves é alvo de ação do PTB por ter declarado, em uma entrevista, que viu na Câmara uma mala com dinheiro numa roda de deputados.

Romeu Queiroz é acusado de quebra de decoro por ter recebido recursos de caixa dois das empresas de Marcos Valério.

Ricardo Izar anunciou que irá cobrar do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), o envio das representações feitas pelo senador Luiz Soares (sem partido-MT) contra 14 deputados.

Jaques Wagner: quem tiver culpa tem que ser punido

O ministro da Coordenação Política, Jaques Wagner, preferiu não comentar sobre a possível cassação do mandato de José Dirceu. O ministro disse que prefere esperar o fim das investigações e parafraseou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirmando que quem tiver culpa tem que ser punido.

- Eu não analiso cassação desse ou daquele. Agora, a democracia convive com transparência. O presidente Lula disse que quem tiver culpa tem que ser punido independente de nome ou sobrenome partidário - disse.

Ao ser perguntado sobre as afirmações de Marcos Valério de que José Dirceu sabia dos empréstimos concedidos ao PT pelo empresário, Jaques Wagner disse novamente que teria que esperar o fim das investigações e que era apenas palavra de um contra a do outro.

- Temos que esperar o fim das investigações. São palavras de um contra as palavras do outro. Temos que ter tranqüilidade, não podemos fazer um processo atropelado.

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'Não há provas contundentes'

BRASÍLIA. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), relator do processo contra José Dirceu, tem excelentes relações com o governo e o PT. Na sua cidade natal, Juiz de Fora (MG), aliou-se ao PT e ao deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) para apoiar a eleição do polêmico prefeito Carlos Alberto Bejani (PTB), antigo aliado político de Fernando Collor de Mello e que responde a processos na Justiça.

Júlio Delgado disse que não há provas contundentes contra Dirceu.

- Há várias contradições no que os dois (Dirceu e Jefferson) falam. É preciso descobrir quem está com a verdade. Não há prova de saque do José Dirceu nessas agências. Vamos apurar tudo e não absolver ou condenar por antecipação.

Na semana passada, durante depoimento de Dirceu no Conselho de Ética, Júlio Delgado, ao inquirir o ex-ministro, o elogiou no fim de sua fala.

- E gostaria, porque tenho apreço por Vossa Excelência, de remeter-lhe um poema de Carlos Drummond de Andrade - disse Júlio Delgado, antes de ler uma estrofe do poema "José", do poeta mineiro.

O PASSO A PASSO DO PROCESSO

FIM DO PRAZO DE RENÚNCIA: Os processos contra os deputados José Dirceu (PT-SP), Sandro Mabel (PL-GO), Romeu Queiroz (PTB-MG) e Francisco Gonçalves (PTB-MG) no Conselho de Ética foram instaurados ontem e não há mais como usar a renúncia para evitar a perda dos direitos políticos por oito anos.

PRAZO DO CONSELHO: Corre desde ontem o prazo de 90 dias para levar a decisão ao plenário da Casa.

DEFESA: A partir da notificação, o parlamentar tem prazo de cinco sessões ordinárias para apresentar defesa. Além da defesa oral, tem que apresentar defesa escrita e pode ter até cinco testemunhas de defesa.

PARECER DO RELATOR: O relator faz a instrução e tem prazo de cinco sessões para dar o parecer.

VOTAÇÃO DO PARECER NO CONSELHO: O Conselho de Ética, formado por 15 deputados, vota o parecer. São necessários pelo menos oito votos para o relatório ser aprovado.

PRORROGAÇÃO DO PRAZO: O presidente do conselho pode pedir prorrogação do prazo de 90 dias.

VOTAÇÃO NO PLENÁRIO: O parecer é levado a plenário. A votação é secreta. Se o parecer for pela perda de mandato, são necessários 257 votos a favor para que o deputado seja cassado. Se o parecer for pela absolvição, é necessário o mesmo número de votos contrários ao parecer para que o deputado seja cassado.

Legenda da foto: DIRCEU AO DEPOR no Conselho de Ética, semana passada: ele disse que continuará indo ao plenário