Título: Ilusão
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Fonte: O Globo, 11/08/2005, Opinião, p. 6

A lentidão do sistema jurídico brasileiro já ultrapassou as fronteiras e é vista pela comunidade internacional como entrave ao desenvolvimento econômico e aos investimentos diretos no país.

Um dos fatores da morosidade é a falta de tradição para julgar questões coletivas. Quando determinados servidores públicos têm direito ao mesmo reajuste, uma única ação coletiva poderia eliminar o contencioso que demandaria milhares de processos individuais, tramitando em todas as instâncias. Mas os próprios juízes resistem a esse tipo de solução.

Quando a Constituição de 1988 autorizou as associações a representar seus associados, propondo ações coletivas, o fez obviamente visando à proteção dos direitos da classe, não dos direitos difusos e coletivos já referidos na Lei da Ação Civil Pública. Como um recurso contra decisões nessa área pode levar de 3 a 5 anos para ser julgado, é preferível postular individualmente idêntico direito.

A criação da súmula vinculante na reforma do Judiciário (num mesmo tipo de ação, tribunais de níveis inferiores devem adotar o entendimento do STF) não basta para dar celeridade ao sistema, já que não evitaria decisões como as citadas. A própria reforma processual, que acabaria com as inúmeras possibilidades de recursos para cada ação, é vista com descrença, principalmente porque a maioria dos processos emperrados é contra a União, os estados e os municípios. Ainda que os recursos fossem eliminados e o poder público condenado mais rapidamente, de nada adiantaria aos credores, já que não conseguem receber efetivamente seus direitos.

Os precatórios adiam indefinidamente o pagamento a esses credores. Assim, enquanto não se viabilizar o pagamento dos precatórios, é ilusão acreditar que menos recursos processuais vão agilizar o cumprimento das condenações.

MARCO ANTONIO INNOCENTI é advogado.

Menos recursos processuais não resolvem o problema