Título: O PT DEPOIS DE JOSÉ DIRCEU
Autor: LEONARDO AVRITZER
Fonte: O Globo, 11/08/2005, Opinião, p. 7

José Dirceu foi um ator político central na consolidação do PT. O PT vivia uma grave crise em 1985-1986, quando Dirceu assumiu a secretaria-geral. Essa crise decorria do fato de o PT não conseguir conciliar sua identidade de partido de esquerda de massas com a necessidade de assumir um papel concreto na política brasileira. Os problemas principais do PT quando José Dirceu assumiu sua secretaria-geral eram: como conciliar a identidade de um partido de massas e de esquerda com a estratégia e a competitividade necessárias para vencer eleições e governar?

José Dirceu teve papel central na elaboração das políticas ligadas ao sucesso do PT nos anos 90. A primeira dessas mudanças foi a elaboração de uma forma de atuação no parlamento baseada na disciplina interna e na crítica externa. O principal problema do sistema político brasileiro é sua falta crônica de disciplina que dilui a atividade partidária, permite mudanças permanentes de partido e acentua as carreiras individuais dos políticos. O PT respondeu a esse problema adotando instrumentos de disciplina partidária, acomodando os setores de esquerda através de um sistema de maioria e minoria e atuando criticamente no parlamento. Todas essas características criaram um diferencial entre o PT e os demais partidos no Brasil e seduziram a opinião pública brasileira. Até 2002, os candidatos petistas tinham fortes bases nos movimentos sociais, faziam campanhas baratas e elegiam pessoas que renovavam o parlamento do ponto de vista da sua origem social.

A mudança de estratégia do PT começa em 2002 com a movimentação idealizada por Dirceu em direção ao centro através da aliança com o PL. Tal movimento forneceu uma imagem de moderação da candidatura Lula, o que, na minha opinião, não deve ser criticado. No entanto, ele gerou dois problemas: o primeiro foi uma mudança de postura em relação à chamada esquerda partidária e o segundo foi a falta de uma política de alianças adequada para governar. À medida que a esquerda do PT foi se opondo à movimentação para o centro do "campo majoritário", ela passou a ser alijada do processo decisório transformando aquilo que foi concebido para ser uma relação episódica entre maioria e minoria em uma aprovação automática de políticas. O campo majoritário foi se estreitando, e a política petista passou de uma política partidária restrita para uma política de governo restrita na qual em última análise uma pessoa determinava todas as decisões políticas.

A segunda grande mudança política no PT foi a sua transformação em máquina política clientelista e financiada com recursos públicos. O escândalo que ocupa a atenção da opinião pública, nesse momento, tem como origem uma mudança de postura política. O PT deixa de ter sua estratégia baseada em uma bancada de líderes populares e decide se tornar o maior partido do Congresso Nacional. Essa mudança torna as campanhas políticas mais caras, uma vez que o PT passa a disputar um voto mais difuso. Ao mesmo tempo, uma vez ganho o governo federal em 2002, surge o projeto de expandir o número de prefeituras. Ou seja, as campanhas do PT tiveram de compensar com recursos financeiros a falta de base política de certos candidatos. Foi a necessidade de financiar esse rombo que gerou os Delúbios e os Marcos Valérios, rompendo com a tradição ética petista.

A saída para a crise envolve reconhecer o fracasso dessas estratégias, e é nesse sentido que José Dirceu é passado no PT. Uma nova política do PT deve passar pela defesa vigorosa de uma reforma política que facilite aos presidentes maiorias no Congresso Nacional e, do ponto de vista interno, leve ao fim do "campo majoritário". Esse campo transformou uma condição transitória, a de maioria, em uma condição permanente. É aí que reside o germe do autoritarismo partidário, com as suas conseqüências mais perversas, entre elas a falta de transparência para dentro e fora do partido. A atual crise política abre um novo momento na história do PT. José Dirceu foi o principal líder petista entre 1986 e 2002. No momento que se abre, a sobrevivência do PT será determinada pela sua capacidade de transformar José Dirceu em passado.

LEONARDO AVRITZER é cientista político.

O "campo majoritário" se tornou maioria permanenteno partido