Título: Lula: abrir sim, mas não no grito
Autor: Panorama Político
Fonte: O Globo, 28/10/2004, O país, p. 2

Os arquivos sobre a repressão não ficarão secretos para sempre. Serão abertos, mas com método, a seu tempo e sem estardalhaço. Em conversa informal com esta coluna, o presidente Lula assegurou que seu governo enfrentará o problema, mas o tratará mas com os cuidados que a delicadeza democrática exige.

¿ Vamos enfrentar esta questão com todo cuidado e responsabilidade. Isso não se resolve com grito de lá ou com grito de cá ¿ disse Lula, comprometendo-se pela primeira vez com a abertura dos registros sobre a repressão política durante o regime militar.

Ressalvou, entretanto, que tudo será feito evitando crises e sobressaltos. Por gritos de lá e de cá, pode-se entender as cobranças da área política, inclusive do PT, e a reação de militares, como na nota inicial do Exército sobre as fotos que seriam de Herzog. A uns e outros Lula já acalmou. Principalmente os militares, comparecendo ao baile da Aeronáutica no sábado passado, onde conversou com todos os comandantes.

Comparou os cuidados que a democracia exige ao que tem tido na condução da economia.

¿ Tenho dito que não vou brincar com a economia. Da mesma forma, digo que é preciso responsabilidade para com a democracia, que custou tanto a todos nós. Não vamos tratar de um assunto destes criando sobressaltos ou fazendo carnaval. Mas fiquem todos certos de que encontraremos uma solução, na hora certa e da forma certa ¿ disse, evitando mais comentários sobre as hipóteses que o governo examina.

Ao falar de seus cuidados com a democracia, Lula exibiu cópia de um recorte de jornal que lhe fora encaminhado pouco antes por seu assessor de imprensa, Ricardo Kotscho. Era um resumo da pesquisa da ONG internacional Repórteres Sem Fronteiras, segundo a qual, de 2003 para cá, o Brasil melhorou sua classificação no ranking de países com maior liberdade de imprensa. Passou do 71 lugar para o 66 .

¿ Vocês podem até não concordar, mas nisso também estamos melhorando ¿ brincou Lula.

Quanto à forma da abertura dos arquivos da repressão, o ministro José Dirceu acrescentou, logo depois, que a solução não deve passar pelas mudanças no Decreto 4553, assinado por Fernando Henrique quatro dias antes de deixar cargo. Este precisa ser mudado porque, no dizer de Dirceu, ¿é obscurantista¿, reduz a transparência e prejudica a própria pesquisa histórica. Diz respeito essencialmente aos documentos oficiais do Estado brasileiro, não ao que se passou nos porões da ditadura. Pelo decreto, um documento oficial ultra-secreto pode ficar inacessível por 50 anos sempre renováveis, ou seja, eternamente. Precisa ser mudado porque não representa uma boa política de transparência, hoje um atributo das democracias. Mas não é isso que garantirá o acesso a informações documentadas sobre atos do aparelho repressivo. ¿Isso é outro problema, de outra natureza¿, disse Dirceu, reforçando os cuidados apontados por Lula na busca de uma solução que atenda ao direito das famílias e não sobressalte a área militar com o fantasma do revanchismo.

Ontem, em função do aniversário de Lula, seu gabinete estava especialmente agitado pelo entra-e-sai de ministros e auxiliares que o foram cumprimentar. De visível bom humor, Lula atendeu a seguidos telefonemas de cumprimentos, brincando com a própria idade: 59 anos. No próximo, estará protegido pelo Estatuto do Idoso, que sancionou. Não planejou festa, mas seu vice, José Alencar, organizou um jantar-surpresa no Palácio do Jaburu.

Pobres e decentes

Três pessoas devolveram o cartão do programa Bolsa Família explicando que não precisam mais da ajuda do governo federal. A área social festejou o ocorrido como sinal de que a fiscalização inibirá a permanência de pessoas não necessitadas no cadastro. Uma delas foi a dona de casa Ione Pereira, de Maringá (PR), que disse exatamente isso aos representantes do programa: seu marido estava desempregado quando se inscreveu, há 9 meses. Só recebeu o cartão em agosto passado. Mas agora seu marido conseguiu emprego, está ganhando R$ 400. É o suficiente para viver. Não quer passar o vexame de ser flagrada recebendo o benefício indevidamente.

Sinal de onda

A tradição petista de esquentar os tamborins na reta final das campanhas pode ter produzido as alterações nas pesquisas sobre a disputa Serra-Marta em São Paulo. Ainda assim, a diferença é grande para ser tirada daqui até domingo. A situação é crítica também em Porto Alegre, mas a chamada onda vermelha pode produzir efeitos em Curitiba e em cidades importantes da Região Sul, como Maringá ou Londrina. Uma derrota em São Paulo, ampliada para todo o Sul, teria leitura devastadora para o PT. Mas há quem atribua a subida de Marta às suas lágrimas recentes, quando se comparou até à Geni de Chico Buarque, aquela em quem todo mundo bate.

TROCAMOS alguns números dados pelo ministro Viegas sobre a situação no Haiti. A Espanha não ficou de mandar 1.622 agentes para treinar a polícia local. Este foi o total estipulado pela ONU embora só tenham chegado ao país 673. Trinta dos quais enviados pela Espanha.

EM NOME da Fenainfo (Federação da Indústria de Informática), seu presidente, Maurício Mugnaini, reclamou com o ministro Dirceu da atuação empresarial da Cobra, subsidiária do Banco do Brasil: semi-estatal, ganha contratos sem licitação e age como predadora do setor. Dirceu prometeu tirar tudo a limpo com o presidente do Banco, Cássio Casseb.