Título: FOME AMEAÇA 20 MILHÕES DE PESSOAS NA ÁFRICA
Autor:
Fonte: O Globo, 11/08/2005, O Mundo, p. 34 e35

Programa Mundial de Alimentos da ONU diz precisar ainda de US$98 milhões para afastar a possibilidade de uma tragédia continental

BAMAKO. Enquanto a comunidade internacional começa a responder à severa crise alimentar no Níger, a Rede de Sistemas de Alerta Preventivo da Fome adverte que 20 milhões de pessoas correm risco de enfrentar fome extrema nos próximos meses em cerca de uma dúzia de países na África. O Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU disse que precisa ainda de US$98 milhões para evitar a tragédia até a primeira metade de 2006. Estão na lista da fome Níger, Moçambique, Chade, Sudão, Etiópia, Eritréia, Somália, Mali, Zimbábue, Zâmbia, Malauí, Suazilândia e Lesoto.

No Níger, onde a situação é mais crítica por causa da seca e das pragas de gafanhotos que assolaram as colheitas do país - um dos mais pobres do mundo - 3,6 milhões de pessoas estão em risco, entre elas 800 mil crianças com menos de 5 anos. Dias atrás, o presidente do país, Mamadou Tandja, disse que os alertas sobre fome são "propaganda estrangeira" contra seu governo.

- Estamos comendo coisas das árvores nos últimos dois meses. Nós cozinhamos antes, mas elas não são boas para comer. Meus sete filhos, meu marido e eu, todos temos vomitado. Há quatro dias não como - disse Khatima, de 30 anos.

MSF mobiliza 670 profissionais no país

A ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) pôs em ação uma das maiores operações de assistência de sua existência no Níger, com 70 profissionais estrangeiros e 600 do próprio país. A organização espera distribuir 8.450 toneladas de alimentos até o fim do ano. O PMA emitiu um alerta indicando que dos US$57,6 milhões que precisa para enfrentar a crise no país, só recebeu até agora US$23,1 milhões, cerca de 40% do total.

No Mali, 1,5 milhão de pessoas vivem na área mais afetada e é preciso que chova até o final do mês e chegue mais ajuda para evitar o pior. O PMA tem apenas 447 toneladas de alimentos na região de Timbuktu para atender a uma necessidade de mil toneladas. O governo local tem sido mais eficiente na distribuição de ajuda humanitária do que no Níger.

Em Moçambique, no sul da África, a seca é intermitente e atinge algumas áreas mais do que outras. No distrito de Guija, 200 quilômetros ao norte de Maputo, apenas 2% das colheitas de abril se salvaram.

- Se a situação continuar assim, podemos morrer - lamentou Beti Samuel Gueba, de 43 anos, mãe de seis filhos, apontando o celeiro vazio. - O que será de nós nos próximos meses?

No sul do Sudão, fim da guerra civil aumenta riscos

Para aliviar a situação, o PMA está distribuindo 4.500 toneladas de comida por mês.

Nos vizinhos Zimbábue, Zâmbia e Malauí a escassez de comida também atingiu níveis preocupantes, com a situação agravada pela epidemia de Aids, sobretudo na Suazilândia e no Lesoto. No sul da África, as estimativas são de que cerca de dez milhões estão ameaçadas e podem enfrentar fome severa até dezembro, embora estejam descartadas mortes em grande escala.

O PMA estima em US$256 milhões o total de fundos necessários para ajudar as populações em perigo até que as próximas colheitas estejam disponíveis em 2006, mas até agora conseguiu reunir apenas US$158 milhões.

Em Moçambique, o programa dispõe apenas de 20% dos recursos necessários.

- Tem outras crises no mundo - reconhece Karin Manente, vice-diretor do PMA no país. - Tem o Níger, tem Darfur, teve as tsunamis... É muito difícil conseguir fundos suficientes.

No Zimbábue, a política de expulsão dos moradores de favelas das cidades grandes mandou centenas de milhares de pessoas de volta ao campo, onde agora elas enfrentam possibilidade da escassez de comida. No sul do Sudão, paradoxalmente, o fim da guerra civil levou centenas de milhares de refugiados de volta para casa, aumentando a pressão sobre a capacidade local de alimentar a população.

Legenda da foto: UMA ENFERMEIRA do Médicos Sem Fronteiras examina um bebê desnutrido em Maradi, no Níger