Título: O corpo no chão
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 12/08/2005, O Globo, p. 2

¿Está lá o corpo estendido no chão¿, dizia o presidente do Senado, Renan Calheiros, no meio da detonação causada pelas revelações de Duda Mendonça sobre o pagamento de campanhas do PT através de contas no exterior. Um dos mortos é certamente o PT, que pode se transformar num desaparecido político, perdendo seu registro. Já sobre a hipótese de impeachment do presidente Lula a oposição falava com extremo cuidado. Só na segunda-feira PSDB e PFL tomarão uma decisão política diante da nova e gravíssima situação.

Estava prevista para hoje, na reunião ministerial, um pronunciamento do presidente Lula em termos ainda não adotados ao falar da crise. Diria desconhecer o esquema financeiro montado pelo PT, pediria desculpas ao país pelo que fez seu partido e diria ter sido traído pelos que abusaram de sua confiança. Seu drama é que teria de dar nomes aos bois. Um pronunciamento agora tornou-se mais que inadiável, imperativo. Anteontem, numa discussão sobre a demora do presidente, um petista próximo especulava que o presidente adiava a fala porque não queria ser surpreendido, se nem tudo já tivesse sido revelado. E não estava mesmo.

Duda Mendonça ontem mudou o patamar da crise abrindo o que faltava da cortina, embora ainda existam aspectos a esclarecer. Como disse ele mesmo, ¿não foi uma atitude de coragem mas de desespero¿. Será uma grande ironia se o homem que ajudou a eleger Lula acabar sendo o que levou a seu impedimento. Mas quanto a este desfecho, parecia ecoar nas cabeças oposicionistas uma frase de Ulysses Guimarães, quando ainda hesitava em apoiar a abertura de processo contra Collor: ¿Impeachment não é Cafiaspirina¿. Ulysses se rendeu quando começou a ver as manifestações de rua contra Collor. Morreu antes do desfecho.

Uma das razões da hesitação da oposição, depois ter desejado tão avidamente a oportunidade de vincular Lula ao valerioduto ¿ que agora pode ser criada com a demonstração da origem do dinheiro que pagou as caríssimas campanhas de Duda ¿ diz respeito exatamente às ruas. Ao receio de que haja uma perigosa divisão do povo brasileiro, que não ocorreu no processo de 1992.

¿ Precisamos avaliar corretamente a natureza jurídica destes crimes antes de propor uma solução política. Precisamos avaliar com serenidade todas as conseqüências ¿ dizia o senador Tasso Jereissati, depois de ter conversado por telefone com o ex-presidente Fernando Henrique. Este teria também recomendado prudência entre uma e outra interjeição:

¿ Meu Deus! É muito grave!

José Agripino Maia, líder do PFL no Senado, não era menos cuidadoso.

¿ Esta é uma situação delicadíssima e não vamos nos precipitar. Há questões jurídicas e politicas a serem examinas e há também o o risco de divisão da sociedade. Vamos examinar tudo no final de semana e nos reuniremos na segunda-feira, PFL e PSDB, para tomar uma posição.

O fato de não se precipitar não significa que a oposição vá ser conciliadora. Ganhando tempo, espera que os fatos sejam assimilados e levem à erosão do apoio popular a Lula que ainda pode ser mobilizado em sua defesa, criando a perigosa divisão. Ontem, por sinal, Lula teve a mais inadequada das companhias numa hora destas, o presidente Hugo Chávez.

Uma outra questão que preocupa a oposição: se as contas de campanha de Lula foram pagas com dinheiro ilícito, o companheiro de chapa José Alencar também tem sua eleição comprometida. O sucessor imediato é Severino Cavalcanti, presidente de uma Câmara que tem tantos membros enfrentando processos de cassação, numa lista que ainda vai crescer. E, por fim, a questão do tempo. Um processo de impeachment levará alguns meses, entrará pelo ano que vem, irá se misturar à campanha eleitoral produzindo uma química explosiva.

Isso era o que pensava ontem uma oposição atordoada. Já os governistas, perplexos, não davam notícias do que se passava no Planalto nem do que deve fazer Lula hoje. De explícito, o choro dos petistas de esquerda diante do corpo do PT estendido no chão.