Título: Planalto fica atônito e prepara reação à crise
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 12/08/2005, O País, p. 12

Governo conclui, porém, que não existe ambiente nem vontade política para abertura de um impeachment

BRASÍLIA. Pela primeira vez desde que começou a crise política há três meses, a cúpula do governo analisou a possibilidade de ter que enfrentar um processo de impeachment, a partir do depoimento do publicitário Duda Mendonça à CPI dos Correios. Ontem, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva analisou a hipótese em reuniões e conversas reservadas com seus ministros mais próximos. No fim do dia, o governo chegou à conclusão de que, até o momento, não existe ambiente e nem vontade política por parte dos principais atores da sociedade para abertura de um processo de impeachment. Entre esses atores, o presidente incluiu o empresariado, os movimentos sociais, a mídia e até mesmo o Congresso Nacional. Hoje o presidente deve falar à nação durante reunião ministerial.

Ontem, Lula não escondeu sua preocupação com o teor do depoimento de seu marqueteiro, que admitiu que houve caixa dois no conjunto das campanhas do PT em 2002. Desde a véspera, o Palácio do Planalto e o PT já estavam avisados sobre o teor do depoimento de Duda à Polícia Federal. Mas a presença do publicitário na CPI dos Correios surpreendeu o presidente Lula.

No fim do dia, Lula desiste de pronunciamento

No Planalto, a constatação é de que o depoimento do marqueteiro transmitido ao vivo pela televisão potencializou as novas revelações, o que colocou o presidente numa situação delicada. Lula só foi comunicado da decisão de Duda de participar da CPI no início da manhã, quando ele já estava a caminho de Brasília. No fim do dia, depois de ouvir os seus colaboradores mais próximos, o presidente decidiu não se pronunciar sobre o assunto. O recado de Lula deve ser dado hoje, durante a reunião ministerial: vai reafirmar sua disposição para uma investigação ampla de todos os fatos.

A primeira avaliação do presidente sobre o tema aconteceu logo depois da exposição inicial de Duda Mendonça. Lula estava reunido com os ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Dilma Rousseff (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda), Ciro Gomes (Integração Nacional), Jaques Wagner (Coordenação Política) e Luiz Dulci (Secretária Geral) para discutir a reunião ministerial de hoje. O presidente quis saber a opinião dos presentes. Os ministros concordaram que o depoimento de Duda era o fato que mais aproximava Lula dos escândalos que estão sendo apurados no Congresso Nacional, segundo o relato feito ao GLOBO por dois participantes do encontro.

Um ministro chegou a sugerir ao presidente que ele devia admitir publicamente que não tinha conhecimento dos pagamentos de sua campanha em 2002, na condição de candidato. Mas a preocupação do governo em relação a esse argumento é que colocaria Lula como um presidente fraco, com uma postura de ¿rainha da Inglaterra¿, sem controle dos principais fatos ao seu redor.

O presidente gostou da exposição feita por outro ministro. Por esse argumento, a campanha presidencial de Lula, em 2002, foi paga integralmente com dinheiro contabilizado. Por essa tese, a maior arrecadação foi da campanha de Lula e ao mesmo tempo o maior pagamento feito para Duda Mendonça também saiu desse caixa oficial. Portanto, o caixa dois serviu para custear as outras candidaturas petistas, que teriam tido uma arrecadação menor.

Lula acompanhou em vários intervalos, ao longo do dia, o depoimento do marqueteiro Duda Mendonça pela televisão. Em conversas reservadas, o presidente voltou a criticar o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Admitiu que não tinha o domínio dos fatos e que por isso não podia se antecipar aos acontecimentos. Isso porque Dirceu guardou toda a memória das negociações e articulações que deram origem a crise política.

Sem a capacidade de prever os fatos, avaliou Lula, o governo ficou refém e agora é surpreendido pelas manchetes dos jornais. O presidente também criticou a falta de sintonia de seu governo para reagir a crise e admitiu que não havia um comando único para enfrentar a crise