Título: Questão de identidade
Autor: ANTONELLA CARMINATTI
Fonte: O Globo, 28/10/2004, Opinião, p. 7

O governo brasileiro estimula os industriais a exportarem seus produtos para os países mais ricos, para fortalecer nossa economia e melhor imunizá-la contra crises. Os empresários nacionais, por sua vez, apesar de viverem toda a sorte de adversidade para produção, distribuição e comercialização de seus produtos no país, acabam por, de tanto insistir, ter sucesso em alguns casos. Citam-se sempre como exemplo a Embraer, as sandálias Havaianas, a indústria de moda, que tem causado furor nas passarelas internacionais, a nossa safra recorde de soja e outros poucos. E o que mais? Quais são as marcas brasileiras?

Para um melhor resultado em nossas exportações temos que agregar valor aos nossos produtos ¿ de nada adianta melhorarmos cada vez mais a qualidade daquilo que exportamos se não somos reconhecidos como o país produtor, se não damos marcas aos nossos produtos.

A França é reconhecida mundialmente como produtora de vinhos inigualáveis e igualmente caríssimos. Não foi ao acaso que ela alcançou este patamar. Desde o início do século passado os produtores de vinho locais vêm clamando pela delimitação, pelo governo, de zonas onde a produção agrícola poderia se beneficiar de uma apelação de origem. As apelações de origem francesas integram hoje o patrimônio nacional daquele país, e sem dúvida, constituem uma de suas maiores riquezas. Em 2003 a França teve uma receita de US$ 17,5 bilhões somente com a produção de vinhos com apelação de origem controlada, sem contar US$ 2 bilhões com as apelações Cognac, Armagnac e Calvados.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, no resultado acumulado deste ano, o Brasil teve vendas externas de quase 67 bilhões de dólares, sendo que a grande maioria formada por commodities , tais como soja em grão, minérios de ferro, carnes de frango, bovina e suína, café em grãos, milho em grão e fumo em folhas, semimanufaturados de ferro/aço, celulose, ferro fundido, açúcar em bruto e ferro-ligas.

Da mesma forma como os vinicultores franceses exigiram e obtiveram do seu governo a criação de uma entidade que demarcasse, controlasse e certificasse a origem e a qualidade de seus produtos para assim lhe agregar valor, vários dos produtos brasileiros exportados hoje como matéria-prima poderiam também contar com este item a mais.

Não se trata aqui de criar um organismo burocrático, a exemplo dos falecidos Instituto Brasileiro do Café (IBC) e Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), de triste memória, mas sim de incentivar as associações dos produtores específicos a refletirem sobre o tema e a terem no governo um parceiro para divulgação do seu produto no exterior, a criação e o registro de marcas nacionais, patentes e indicações geográficas que lhe confiram valor agregado.

Desde 1996, com o advento da nova Lei de Propriedade Industrial, já possuímos os instrumentos legais para o registro de indicações geográficas. Entretanto, muito poucos se utilizam do mesmo. A única indicação geográfica brasileira registrada no INPI é a ¿Vale dos Vinhedos¿, pertencente à Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), que desde 2002 tem a possibilidade de identificar a procedência de seu vinho no rótulo da garrafa, a partir de uma série de critérios estabelecidos pelo Conselho Regulador da Indicação Geográfica do Vale dos Vinhedos. Os vinhos, que estão de acordo com estas normas, recebem em seu rótulo a inscrição ¿Vale dos Vinhedos ¿ Indicação de Procedência¿.

Nossos produtos são de grande qualidade ¿ apenas não os protegemos e não sabemos como divulgá-los. A tão apreciada cachaça é objeto de registro como marca perante o Escritório Americano de Marcas e Patentes (USPTO) e também, não satisfeitos, no Ofício de Harmonização no Mercado Interno (OHIM), que vem a ser o órgão responsável por conceder registro de marcas na União Européia.

Enquanto acordos específicos de reciprocidade entre os escritórios nacionais de registro de indicação geográfica não são estabelecidos, vemos a nossa indicação geográfica ¿cachaça¿, ser apropriada no exterior por terceiros. A proteção adequada e efetiva à propriedade intelectual deve também fazer parte da nossa agenda de exportações, sob pena de morrermos na praia do comércio internacional.