Título: Falta se aproximar do povo
Autor: HUMBERTO COSTA
Fonte: O Globo, 28/10/2004, Opinião, p. 7

É fundamental a participação do Ministério da Saúde na estruturação do esforço nacional de pesquisa em saúde. O histórico brasileiro de realizações neste terreno é admirável, acumulando contribuições em nível mundial. Contudo, embora detenhamos grande número de pesquisadores, linhas e grupos de pesquisa ativos, ainda precisamos promover maior convergência entre as necessidades reais de saúde dos brasileiros e a produção científica, aperfeiçoando os processos de absorção de conhecimento científico e tecnológico pelos serviços de saúde e pela sociedade.

Além disso, a construção de uma política de ciência e tecnologia em saúde e de uma agenda de prioridades de pesquisa deve ser acompanhada de um orçamento destinado ao fomento científico que possibilite a destinação de recursos a projetos que, em última análise, resultem em padrões de eqüidade mais elevados no cuidado com a saúde da população.

Nas últimas semanas, o Ministério da Saúde ¿ que tem promovido ações decisivas na área de ciência e tecnologia, entre as quais pode ser citada a instituição, em julho de 2003, do Conselho de Ciência, Tecnologia e Inovação, com o objetivo de possibilitar que os avanços tecnológicos e as inovações pesquisadas por universidades, institutos e empresas encontrem aplicação prática na política nacional de saúde ¿ deu provas de um compromisso profundo com a inserção da pesquisa na agenda de medidas destinadas ao aprimoramento das políticas públicas de saúde.

Em primeiro lugar, criou-se um mecanismo de coordenação adequado entre as duas principais instâncias de fomento, por meio de uma parceria entre os ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia, que permitirá incentivar pesquisas, com investimentos de R$ 57 milhões (do orçamento do Ministério da Saúde), a serem desembolsados integralmente ainda este ano, para apoio a cerca de 350 projetos. Destaca-se entre estes uma pesquisa nacional pioneira, que selecionará 1.200 pessoas para determinação da eficiência do uso de células-tronco no tratamento de problemas cardíacos.

A pesquisa, que deve durar três anos e será coordenada pelo Instituto Nacional de Cardiologia, no Rio de Janeiro, avaliará a aplicação do implante de células-tronco em quatro tipos de patologias cardíacas ¿ infarto agudo do miocárdio, doença coronariana crônica, cardiopatia dilatada e insuficiência cardíaca decorrente do mal de Chagas ¿ que exigem atualmente procedimentos como transplantes de coração, cirurgia de revascularização e pontes de safena e mamária. Comprovada a efetividade da terapia, ela poderá ser adotada nos hospitais da rede pública, onde sua utilização proporcionará, entre outros benefícios, uma grande economia de recursos, considerando-se que as cirurgias que substituirá custam anualmente R$ 500 milhões ao Sistema Único de Saúde.

Foi lançada a Rede Pública de Bancos de Sangue do Cordão Umbilical e Placentário (Brasilcord), composta por 10 bancos públicos de cordão umbilical e placentário. Esta rede, distribuída por pontos estratégicos do país, deverá coletar anualmente cerca de 4 mil amostras, o que garantirá, em 5 anos, um estoque em que estarão representados 100% das diversidades étnica e genética da população brasileira. Rico em células-tronco, capazes de gerar tecidos do organismo, o sangue do cordão umbilical já se mostrou eficiente no tratamento de leucemia e outras doenças do sangue.

No Brasil há atualmente 2.500 indicações anuais para transplante de medula óssea, das quais 1.500 não encontram um doador com laços de parentesco e compatibilidade genética. Com a rede, as chances de um paciente descobrir material compatível subirão para 90%, e o tempo de espera cairá de 90 para 40 dias.

O ministério deve investir R$ 46 milhões na estruturação da Brasilcord, que já tem dois bancos, os do Instituto Nacional do Câncer, no Rio, e do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, prontos para funcionar, e que proporcionará ainda o benefício adicional de facilitar o desenvolvimento de pesquisas regionais em biologia molecular e genética, utilizando células-tronco adultas.

Por último, numa iniciativa que contribuirá para aprimorar nossa vigilância epidemiológica, o ministério está investindo cerca de R$ 30 milhões para dotar o Brasil de uma rede de 12 laboratórios NB3, designação aplicada às unidades laboratoriais com nível de biossegurança-3, que dispõem de área especial própria para estudos relacionados ao diagnóstico e detecção de agentes de alto risco de contaminação para humanos, como o vírus que provoca a hantavirose e a bactéria do antraz. Do total, quatro unidades, duas nos institutos Adolfo Lutz e Pasteur, em São Paulo, e outras duas em Fortaleza e Recife, já estão em funcionamento, mais cinco ficarão prontas ainda em 2004 e três serão concluídas no próximo ano. Tais iniciativas evidenciam o reconhecimento, pelo ministério, da importância da pesquisa para a Política Nacional de Saúde. Ambas devem aproximar-se. O país só tem a ganhar na pesquisa dirigida à saúde.