Título: Vem aí um Brasil mais idoso
Autor: AMÂNCIO PAULINO DE CARVALHO
Fonte: O Globo, 28/10/2004, Opinião, p. 7

A população brasileira está mudando, e envelhecendo. Projeções indicam que entre 2005 e 2020 passaremos de 10,6 milhões de pessoas com mais de 65 anos (6% do total) para 17,6 milhões (8,8% do total). Mas também aumentará o número dos que terão mais de 75 ou 80 anos.

Esse fato tem enormes repercussões para o sistema de saúde, pois são idosos os que mais requerem cuidados. Para além do aspecto humano, de prover dignidade a tantos brasileiros, há decisivas implicações econômicas. Já se evidenciou, nos EUA, que um indivíduo gera 70% das despesas com saúde em seu ciclo vital nos últimos seis meses de vida.

Precisamos nos preparar para um Brasil mais idoso. Além do esforço para desenvolver tecnologia própria aplicável à saúde, será necessário criar uma rede nacional de avaliação tecnológica. Processo bem conhecido em países com sistemas públicos muito fortes, como Canadá e França, implica sistemática avaliação, com metodologia científica, de cada tecnologia proposta para o sistema de saúde, mesmo a importada.

Mas tecnologia, no caso, não se refere apenas a máquinas, envolve conceitos de tratamentos e métodos diagnósticos. Também compara alternativas, a melhor relação custo-efetividade social.

Esse conjunto de estudos, que pode variar de uma revisão da literatura médica a grande pesquisas clínicas em rede de dezenas de hospitais, constituirá a base dos protocolos assistenciais, ou seja, das diretrizes que devem ser seguidas ao se lidar com os principais problemas de saúde. O ideal é que tal sistema tenha amparo legal, que a lei o estabeleça como referência para o direito à saúde que nossa Constituição assegura.

Neste país, em que a divulgação da indústria de medicamentos e equipamentos médicos é a principal fonte de atualização para a maioria dos profissionais, tal processo pode assegurar mais qualidade na atenção à saúde, mais segurança aos pacientes, uso muito mais judicioso do dinheiro público.

O Brasil já dispõe do mais difícil para estruturar um sistema de avaliação tecnológica, que são os recursos humanos qualificados, e um conjunto importante de hospitais universitários e institutos de pesquisa em saúde. A produção científica na área corresponde a 30% do total, e temos quase cinco mil grupos de pesquisadores cadastrados no país, além de mais de 300 Comitês de Ética em Pesquisa.

Os hospitais de ensino, em processo de nova certificação, são 148, e há 40 novos postulantes. Está em curso uma importante mudança, um novo sistema de financiamento e de integração desses hospitais ao SUS, que passará a ser baseado em contrato de metas e orçamento anual, com R$ 120 milhões em novos recursos programados pelo Ministério da Saúde.

No entanto, ainda é necessário um esforço maior, com um programa nacional de investimentos nesses hospitais de ensino, com tantas dificuldades em infra-estrutura que muitos sequer têm licença da Vigilância Sanitária em seus estados, condição sine qua non para a realização de pesquisa em seres humanos.

As dívidas acumuladas por anos de carência de pessoal, cujos concursos só foram retomados a partir de 2002, chegam a mais de R$ 300 milhões apenas nos 45 hospitais do MEC. Este é um investimento que vale.