Título: ISRAEL APROVA RETIRADA DE GAZA
Autor: Ferran Sales
Fonte: O Globo, 27/10/2004, O Mundo, p. 34

Plano de Sharon leva milhares de colonos às ruas e provoca racha no governo

JERUSALÉM

Numa votação histórica, o Parlamento de Israel, o Knesset, aprovou ontem o plano de retirada dos assentamentos judeus da Faixa de Gaza e dos militares destacados para sua defesa. Segundo o plano, os 21 assentamentos de Gaza serão desmantelados, além de quatro colônias no norte da Cisjordânia.

A votação provocou protestos de integrantes do governo e levou milhares de colonos furiosos às ruas. Sharon recebeu ameaças de morte, algo que é levado a sério no país desde o assassinato do premier Yitzak Rabin, em 1995, depois de assinar um acordo com os palestinos. Parlamentares do Partido Trabalhista comemoraram a medida, que tem aprovação de 65% da população segundo pesquisas.

A vitória da proposta do primeiro-ministro Ariel Sharon ¿ considerada por ele a maior de sua carreira política ¿ não significa uma retirada imediata de Gaza. O plano só será posto em prática depois que o Gabinete aprovar o desmantelamento dos assentamentos, que deverá terminar em setembro do ano que vem. Caso o plano seja levado adiante pelo governo, como promete Sharon, será a primeira vez que Israel cederá território ocupado na guerra dos Seis Dias, em 1967, desde que o Sinai foi devolvido para o Egito em 1982. Será também a primeira devolução de terras para os palestinos.

A aprovação da medida apresentada por Sharon só foi conseguida devido ao apoio de partidos de oposição. Foram 67 votos a favor, 45 contra e sete abstenções. Todos os 29 parlamentares trabalhistas e os 14 do centrista Shinui votaram a favor do plano. O Likud, o partido conservador de Sharon, rachou, com 23 votos a favor e 17 contra. Os partidos religiosos votaram contra. Milhares de colonos se reuniram do lado de fora do Knesset para pressionar os parlamentares.

Minutos após a sessão, Sharon demitiu dois ministros que votaram contra o plano. O principal adversário do premier no Likud, o ministro das Finanças Benjamin Netanyahu, só entrou no plenário na segunda rodada de votos e ¿ junto a outros opositores do plano, como os ministros Limor Livnat e Dani Naveh ¿ votou a favor. Mas momentos após a votação Netanyahu anunciou que eles e o Partido Nacional Religioso (PNR) ¿ membro da coalizão governamental ¿ deixarão o governo se houver referendo:

¿ Decidimos permitir que o premier leve a questão a referendo em 14 dias. Não podemos apoiar esta iniciativa sem que as pessoas se manifestem num referendo.

ANP critica medida unilateral de Israel

Sharon disse, por meio de assessores, que não realizará um referendo pois esta seria uma medida protelatória. O grupo de Netanyahu no Likud e o PNR pretenderiam, segundo especialistas, derrubar o governo. Isto tornaria o plano letra morta.

¿ O Knesset tomou sua decisão, a nação de Israel decidiu deixar Gaza imediatamente ¿ disse o vice-primeiro-ministro, Ehud Olmert.

A Autoridade Nacional Palestina (ANP) criticou o fato de a medida ter sido tomada de forma unilateral.

¿ Assistimos a eles discutindo nosso futuro, o futuro de nossas crianças, mas estamos ausentes do processo ¿ criticou Saeb Erekat, ministro da ANP.

Já o grupo extremista Hamas afirmou que a decisão foi uma vitória sua. ¿Foi uma grande conquista do povo palestino e da resistência, que sozinhos fizeram o inimigo sionista pensar em ir embora¿. A retórica dos terroristas é parecida com a dos partidos religiosos de Israel, que dizem que a retirada equivale a reconhecer a vitória de grupos radicais como o Hamas.

¿ A questão aqui não é Gaza. É a abertura de um debate sobre a alma de Israel. Israel é um Estado democrático secular ou um Estado governado pela lei religiosa judaica? ¿ perguntou Asher Susser, do Centro de Estudos do Oriente Médio de Jerusalém.