Título: Comissão deve decidir como abrir arquivos
Autor: Geralda Doca e Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 28/10/2004, O país, p. 11

O governo deverá editar medida provisória criando uma comissão interministerial para analisar como será feita a abertura dos documentos sigilosos do regime militar. Segundo um integrante do governo, o grupo de trabalho será formado por autoridades de altíssimo nível, que terão a tarefa de analisar a legislação que classifica o grau de sigilo dos documentos e decidir o que poderá ser alterado.

¿ A idéia é aumentar o acesso aos documentos de forma responsável, preservando a integridade do Estado ¿ disse uma autoridade do governo.

Os documentos referentes ao período da repressão estão classificados como confidenciais e secretos. Há ainda os registros considerados ultra-secretos. Setores militares querem que esses papéis ¿ que têm um prazo de 50 anos para serem mantidos em sigilo ¿ jamais sejam divulgados porque se referem à segurança do país.

O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), anunciou que vai criar uma comissão de deputados para fazer um estudo comparativo da legislação brasileira com a de outros países sobre arquivos secretos. Segundo ele, é preciso saber que tipo de documento deve ser liberado, quem são os interessados e quem deve ter acesso.

¿ É preciso saber direitinho o que se deve fazer com cada um dos documentos, com cada informação, qual a motivação. As pessoas falam de documentos que talvez nem existam ¿ afirmou João Paulo, após se reunir com o ministro da Defesa, José Viegas, e os deputados Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) e Mário Heringer (PDT-MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

À tarde, João Paulo se reuniu com o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, que saiu do encontro sem dar declarações.

João Paulo defendeu a aprovação de um projeto de lei para tratar dos arquivos da ditadura militar. Para ele, um decreto presidencial, como o assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, é um instrumento jurídico muito frágil para tratar de um tema tão polêmico:

¿ O decreto presidencial é decisão de uma só pessoa, um projeto de lei é fruto de várias pessoas. Uma lei tem mais perenidade e dá mais estabilidade.

João Paulo voltou a dizer que é preciso ter cautela na abertura dos arquivos e destacou que o Brasil não é o primeiro nem o último país a enfrentar esse debate.

Ouvido pela Comissão de Direitos Humanos, o ex-araponga José Alves Firmino provocou alvoroço entre os parlamentares ao afirmar que até hoje os espiões do governo estão atuando, inclusive dentro do Congresso. O cabo reformado do Exército contou que o serviço de inteligência militar também faz espionagem sobre movimentos sociais.

¿ Até hoje existem agentes infiltrados em movimentos sociais, no MST. Pode ter certeza que até aqui (na sala da Comissão) tem araponga ¿ disse.

Espantados com as declarações do ex-agente, alguns deputados olharam para a platéia, mas não conseguiram identificar nenhum araponga. O deputado Chico Alencar (PT-RJ) disse que, nos próximos dias, cobrará explicações das Forças Armadas sobre o assunto.

Um funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que é assessor parlamentar, deixou a sala logo depois.

¿ Eu não sou agente. Já deixei de ser a muito tempo. Eu uso crachá ¿ afirmou.