Título: DUDA LÁ EMBALA O CÂMBIO
Autor: Luciana Rodrigues/Ênio Vieira/Vagner Ricardo
Fonte: O Globo, 12/08/2005, Economia, p. 31

Depoimento de publicitário na CPI e anúncio do BC fazem dólar subir 2,89%. Bolsa cai

O depoimento do públicitário Duda Mendonça na CPI dos Correios conseguiu, ontem, o que nem Banco Central (BC) nem Tesouro Nacional foram capazes nos últimos meses. Depois de atingir a menor cotação em mais de três anos na quarta-feira passada, o dólar teve forte alta na tarde de ontem e chegou a R$2,366, para depois fechar em R$2,346, com valorização de 2,89%. No fim da manhã, o BC anunciou que compraria dólares no mercado, numa estratégia que, na visão de muitos analistas, tinha por objetivo evitar que a cotação ficasse, pelo segundo dia seguido, abaixo dos R$2,30.

Mas nem foi preciso concretizar a operação: mesmo sem as compras do BC, as declarações de Duda Mendonça na CPI fizeram o dólar subir com força e, de quebra, derrubaram a Bolsa de Valores de São Paulo, que fechou em queda de 1,78%.

- O ruído político aumentou alguns decibéis após esse depoimento - resumiu o analista de uma administradora de recursos.

Para outro operador, o depoimento de Duda Mendonça preocupou o mercado financeiro porque aproximou as denúncias do presidente Lula:

- Ele trouxe fatos graves à tona, como a evasão de divisas envolvendo a campanha presidencial em que Lula foi eleito.

BC surpreende mercado financeiro

Nas últimas semanas, só a crise política evitou que o dólar despencasse frente ao real. A última vez que a moeda americana subiu com força foi em 25 de julho (alta de 2,67%), em meio a especulações sobre o depoimento da mulher do publicitário Marcos Valério, Renilda de Souza, à CPI dos Correios, no dia seguinte.

Desde o início das denúncias contra o governo, porém, tanto o BC como o Tesouro Nacional têm se mantido afastados do mercado. Isso depois de terem feitos compras maciças nos primeiros meses do ano. Entre janeiro e março, só o BC comprou US$10,219 bilhões do mercado. E o Tesouro reduziu a parcela da dívida pública indexada ao dólar. Mas as cotações só fizeram cair.

Mesmo assim, na terça-feira passada, o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, chegou a afirmar que não havia urgência para voltar a comprar dólares. Por isso, a atuação do governo ontem pegou os operadores de surpresa. Tão logo o Banco Central anunciou que faria um leilão de compra de dólares, a moeda disparou e chegou a ser negociada por R$2,331 pouco depois do meio-dia, com alta de 2,23%. Por causa disso, o BC recusou as ofertas do mercado e acabou não atuando no câmbio.

Segundo Marco Antonio Franklin, da Plenus Administradora de Recursos, muitos investidores aproveitaram o anúncio do BC para se desfazerem de apostas na queda do dólar. Como o BC não comprou divisas, a moeda acabou se estabilizando em torno de R$2,33. Mas foi só por algumas horas. Tão logo Duda Mendonça afirmou ter recebido pagamentos do PT no exterior, as cotações subiram para acima de R$2,34.

A escolha do dia de ontem pelo BC para retomar suas atuações no mercado causou estranheza a analistas.

- O BC é perito em fazer movimento em dia de turbulência - disse Emanuel Pereira da Silva, sócio da Gap Asset Management.

Os analistas se dividem na avaliação sobre a estratégia do Banco Central. Para Hideaki Iha, operador de câmbio da corretora Souza Barros, o BC deu um sinal de que considera o dólar a R$2,30 como o piso para futuras intervenções. Já Franklin, da Plenus, acredita que o objetivo do governo foi aproveitar as cotações baixas da manhã de ontem para comprar dólares e aumentar as reservas cambiais do país. Qualquer que seja a motivação do BC, os analistas são unânimes em afirmar que - a não ser que a crise política ganhe contornos ainda mais graves - a tendência é de queda do dólar.

- Não duvido que o mercado teste de novo esse piso de R$2,30. O BC pode estar remando contra a maré, porque a liquidez é muito grande. Há fluxo comercial, fluxo de dinheiro de curto prazo, entram dólares no país por todos os canais - disse Jason Vieira, da consultoria GRC Visão.

Para Emanuel Pereira da Silva, da Gap, enquanto o BC não cortar os juros, não há como segurar o dólar.

- O real só está subindo devido aos juros altíssimos. Comprar dólar sem reduzir os juros é covardia.

Juro alto encarece compra de reservas

Franklin, da Plenus, acrescenta que os juros altos tornam mais cara a recomposição das reservas cambiais do país. As reservas são guardadas por meio da compra de títulos do Tesouro dos EUA, que pagam juros de 3,5% ao ano. Enquanto isso, o governo brasileiro tem um custo de 19,75% anuais com a sua dívida interna.

Segundo fontes do BC, a volta ao mercado foi provocada pelo aumento de oferta de dólares a partir de julho - devido ao resultado da balança comercial - e às sucessivas quedas de cotação esta semana. No mês passado, o fluxo cambial ficou positivo em US$2,034 bilhões, após três meses em ritmo mais fraco frente aos recordes do início do ano.

Acompanhando a alta do dólar comercial, a cotação no paralelo fechou em alta de 0,79% no Rio de Janeiro, cotado a R$2,55 na venda. Em São Paulo, o paralelo fechou estável, a R$2,64 na venda. O risco-Brasil ficou em 386 pontos, com alta de 2,66%.

inclui quadro: o vai-e-vem do humor do mercado / variação do dólar no dia