Título: Desculpas no plural
Autor: Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 13/08/2005, O País, p. 3

Lula se diz traído por 'práticas inaceitáveis' mas evita pedir perdão em seu nome e citar traidores

Tenso e abatido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem um pronunciamento de dez minutos à nação para dizer que se sente "traído e indignado" com as denúncias envolvendo o PT e parte do governo, afirmando que não sabia dessas "práticas inaceitáveis". Em seu discurso, o presidente não citou o deputado e ex-chefe da Casa Civil José Dirceu (PT-SP) e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, nem qualquer nome dos que o teriam traído. Também não se referiu diretamente às revelações sobre o uso de caixa dois por seu partido, mas, no fim do discurso, afirmou que PT e governo têm obrigação de pedir desculpas ao povo brasileiro.

- Quero dizer a vocês, com toda a franqueza: me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia e que chocam o país - disse Lula, na abertura da reunião ministerial na Granja do Torto.

O presidente pediu que a população não perca a esperança e continue acreditando nele.

- Quero dizer a vocês: não percam a esperança. Sei que vocês estão indignados e eu, certamente, estou tão ou mais indignado do que qualquer brasileiro. E tenho certeza de que posso contar com o povo brasileiro - disse, acrescentando estar consciente da gravidade da crise política.

Lula ainda manda recado à oposição

Num recado à oposição, Lula ressaltou que a crise política não pode afetar o bom desempenho da economia. E pediu que os ministros trabalhem mais para impedir a paralisia do governo.

- É obrigação do governo e da oposição não permitir que essa crise política possa trazer problema para a economia. Temos que arregaçar as mangas - disse Lula.

O presidente começou o discurso falando das realizações de seu governo, sobretudo na área econômica. Disse ter certeza que o povo "sente a diferença" de seu governo, citando ações como a geração de 3,1 milhão de empregos.

No pronunciamento feito na reunião na Granja do Torto, Lula leu pausadamente o discurso, que vinha sendo preparado desde a véspera, quando o publicitário Duda Mendonça revelara ter recebido dinheiro de caixa dois pela campanha de 2002 e que os recursos foram pagos num paraíso fiscal a pedido de Marcos Valério, o empresário acusado de operar o mensalão. Em muitos momentos, o presidente pareceu estar pouco à vontade, olhando para baixo ou repetidas vezes para o alto. Apenas no fim, quando falou da necessidade de PT e governo pedirem desculpas, é que improvisou.

Olhando fixamente para a frente, onde estava a câmera de televisão que transmitia o discurso, Lula recorreu à primeira pessoal do plural para falar em desculpas:

- Queria, neste final, dizer ao povo brasileiro que não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas, porque o povo, que tem esperança, que acredita no Brasil, não pode, em momento algum, estar satisfeito com a situação que o nosso país está vivendo.

O começo da reunião atrasou três horas para que Lula se preparasse. Antes, seus assessores leram a entrevista do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, à revista "Época", afirmando que o presidente tinha conhecimento do acordo financeiro do partido com o PT.

"Estou consciente da gravidade"

No discurso, Lula disse que, se dependesse dele, todos os responsáveis já teriam sido punidos. Lembrou que afastou desde o primeiro momento os integrantes de seu governo envolvidos nas denúncias de um esquema de financiamento de campanha. Mas o presidente não citou o nome dos dirigentes petistas que o traíram e nem aqueles que foram afastados do governo, como o ex-ministro José Dirceu.

Ao falar da criação do PT, Lula garantiu que, na década de 80, fundou o partido para "moralizar as práticas políticas". E que não mudou seus ideais desde então.

- Estou consciente da gravidade da crise política. Ela compromete todo o sistema partidário.

País e governo ficaram parados três horas, à espera

Preparação do discurso atrasou reunião ministerial

BRASÍLIA. A tensão inicial nas reuniões que antecederam o pronunciamento foi substituída pelo alívio depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou. A terceira reunião ministerial de 2005 demorou três horas para começar. Antes, Lula se reuniu com assessores e ministros para preparar cuidadosamente o discurso da abertura do encontro. Também avaliaram o impacto que poderia provocar as denúncias do ex-deputado Valdemar Costa Neto à revista "Época".

Lula tomou café da manhã com o porta-voz André Singer e depois se reuniu com ministros do núcleo de governo, como Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência), Jaques Wagner (Coordenação Política), Dilma Rousseff (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda). Os ministros, que chegaram à Granja do Torto às 9h, ficaram esperando pelo presidente.

Lula foi para a reunião ao meio-dia. Depois de conversar um pouco com os ministros, começou seu pronunciamento às 12h30m. Os jornalistas tiveram que assistir ao discurso do lado de fora da Granja do Torto, numa televisão de 14 polegadas.

Nas reuniões prévias, Lula analisou com sua equipe as conseqüências do depoimento do publicitário Duda Mendonça. Na reunião ministerial, depois do discurso do presidente, o encontro foi dividido em dois momentos: primeiro, discutiu-se a crise política e, em seguida, foi feita a análise do andamento das obras e ações do governo.

A ÍNTEGRA DO PRONUNCIAMENTO na página 4

Legenda da foto: EM SÃO PAULO, populares param para assistir ao pronunciamento do presidente