Título: O vagão do BNDES
Autor: Erica Ribeiro
Fonte: O Globo, 28/10/2004, Economia, p. 23

O governo deu o primeiro passo para reduzir os gargalos que dificultam o escoamento da produção brasileira, sobretudo de grãos, com a assinatura ontem de um protocolo de intenções para reestruturar o grupo Brasil Ferrovias ¿ formado por Ferronorte, Ferroban e Novoeste, que foram privatizadas em 1989, 1999 e 1996, respectivamente ¿ e dar a ele fôlego para investir. Juntas, as ferrovias formam um importante traçado que vai do Centro-Oeste ao Sudeste, terminando no porto de Santos, em São Paulo. A reestruturação visa a transformar o traçado das ferrovias em dois corredores logísticos integrados, mas independentes: um de bitola (distância entre os trilhos) larga e outro de bitola estreita.

O esforço de ajuda à holding corresponde a R$ 540 milhões, sendo R$ 405 milhões do BNDES e R$ 135 milhões dos dois principais acionistas, os fundos de pensão Previ (dos funcionários do Banco do Brasil) e Funcef (Caixa Econômica Federal). Pelo acordo, o BNDES vai converter em ações R$ 249 milhões em dívidas da Ferronorte com a instituição, e ainda injetar R$ 405 milhões em dinheiro novo: R$ 150 milhões em capital na Ferronorte, R$ 135 milhões em financiamento do banco na mesma ferrovia e R$ 120 milhões em debêntures na Novoeste (conversíveis em ações da Ferronorte). Com isso, o BNDES passará a ter 31% da Ferronorte.

Previ e Funcef também vão perdoar uma dívida de R$ 165 milhões da Brasil Ferrovias, dinheiro que será transformado em capital, e injetarão R$ 135 milhões na Novoeste. Também fazem parte do bloco de controle da Brasil Ferrovias o Bradesco e a Constran, empresa do ex-rei da soja Olacyr de Moraes.

Investimentos de R$ 1,6 bi até 2009

O BNDES deu 180 dias para que as pendências com o governo e com a extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), com quem tem dívidas trabalhistas, sejam resolvidas como condição para a ajuda financeira.

¿ Essa operação é um marco histórico para a reestruturação do setor. Como estava, a ferrovia era impagável e isso é mais um exemplo flagrante dos esqueletos das privatizações que nós herdamos. Mas firmar um contrato exige que as pendências estejam sanadas. Estamos firmando um protocolo e quando firmamos contratos não deve haver pendências ¿ disse o vice-presidente do BNDES, Darc Costa, ao assinar ontem o protocolo.

Segundo o presidente da Funcef, Guilherme Lacerda, as pendências da Brasil Ferrovias já estão sendo negociadas com o Tesouro e a RFFSA:

¿ O problema é complexo e esta não é uma solução paternalista. Há um processo de melhoria da gestão acontecendo e um decisivo esforço para sanear as pendências com a União.

Nos próximos cinco anos, segundo o presidente da Funcef, a meta de investimentos dos acionistas, inclusive o BNDES, é de R$ 1,6 bilhão, sendo R$ 446 milhões para a recuperação da via permanente; R$ 848 milhões para a aquisição de locomotivas e vagões; e R$ 339 milhões para manutenção da frota. O projeto inclui a abertura do capital da Ferronorte no mercado de ações.

Para o analista do Banco Prosper, Gustavo Alcântara, a decisão do governo de capitalizar o setor revela o empenho em tornar as ferrovias corredores confiáveis de escoamento da produção. Segundo ele, o setor ferroviário é o mais indicado para a exportação de commodities.

¿ A decisão do governo quebra um ciclo em que o sócio não investia porque o segmento não dava dinheiro e o dinheiro não vinha pela falta de estrutura no setor