Título: 'ISTO É UMA REFORMA, E NÃO UMA REVOLUÇÃO'
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 13/08/2005, O Mundo/Ciencia e Vida, p. 43

Chanceler brasileiro diz que derrota do G-4 não afeta empenho para mudar Conselho de Segurança da ONU

BRASÍLIA. Dos primeiros dias de agosto até o início de setembro, 13 ministros do Exterior e chefes de Estado e governo africanos terão passado por Brasília. É o sinal mais concreto de que o Brasil e os outros países do Grupo dos Quatro (Alemanha, Japão e Índia) não jogaram a toalha e continuam trabalhando pela reforma que poderá lhes garantir vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. A derrota no primeiro round - a decisão da União Africana de apoiar proposta diferente da do G-4 - não desanima o chanceler Celso Amorim, que continua cabalando votos africanos para chegar aos dois terços necessários na Assembléia-Geral da ONU, em 13 de setembro. Em entrevista ao GLOBO, em que critica a nova bipolarização entre EUA e China, Amorim assegura que a posição africana pode mudar. E que não perdeu o jogo.

Com a decisão da União Africana de apoiar outro projeto, o Brasil perdeu a chance de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU?

CELSO AMORIM: De jeito algum. Não jogamos a toalha. Até porque o Brasil não está sozinho nisso. A reforma da ONU é um projeto do G-4 e de 32 outros países que patrocinaram a proposta, entre eles a segunda e a terceira maiores economias do mundo, França e Reino Unido. Não é uma aspiração brasileira tirada do abstrato. Os países da América do Sul também apóiam, com exceção de Argentina e Colômbia.

Mas a posição da União Africana não jogou por terra as chances do G-4?

AMORIM: O que é essa posição? A África não se posicionou contra o nosso projeto. Ela fechou posição em torno do projeto deles, que é muito parecido com o nosso, com uma diferença importante, que é o direito a veto dos novos membros permanentes. No nosso, deixamos o veto para um segundo momento. Achamos que isto é uma reforma, e não uma revolução, e tem que ser feita em etapas.

Esses países estariam traduzindo interesses de EUA e China em inviabilizar a reforma?

AMORIM: Não acredito que haja má-fé. Alguns países podem ter insistido nessa proposta maximalista para inviabilizar, mas acho que, progressivamente, a grande maioria dos africanos está entendendo que é melhor apoiar outra proposta do que não haver reforma alguma. Eles não disseram não à proposta do G-4. Criaram uma comissão para estudar e vão ter nova reunião no início de setembro. Podem chegar à conclusão de que a deles é inviável e apoiar a do G-4. Pelo menos parte dos países pode mudar de posição.

Por isso esse desfile de 13 chefes de Estado e chanceleres africanos em Brasília?

AMORIM: Não é por isso, mas é claro que ajuda. O presidente da Gâmbia disse aqui claramente ser favorável à proposta do G-4. A luta continua.

Por que a proposta do G-4 é melhor?

AMORIM: Porque atende a uma necessidade de reforma da ONU. Não é a reforma definitiva. O mundo muda. Em 15 anos, pode haver uma situação diferente. Colocamos uma cláusula de revisão com esse prazo.

O pleito brasileiro está sendo boicotado na própria região, pela Argentina...

AMORIM: O Brasil já concordou em ter um argentino em sua delegação na ONU, e temos que deixar claro que os países que entrarem no Conselho estarão representando suas regiões. O país terá que ver uma forma de representar toda a região. Se não, não faz sentido entrar.

A disputa na ONU deixa clara uma nova bipolarização entre EUA e China?

AMORIM: É uma coisa que a China sempre criticou na época da URSS. Mas agora parecem estar criando uma nova bipolarização mundial. Deveria haver uma forma de expressarem isso sem que seja a de não permitir a entrada de quatro países no Conselho de Segurança. E tem que ficar claro para esses países que um Conselho mais representativo vai facilitar a implementação das decisões, dará legitimidade para que as decisões sejam seguidas. Fazer a guerra unilateralmente é possível, mas construir a paz é impossível.

A política externa brasileira está sendo criticada por causa dessa questão do Conselho...

AMORIM: No Brasil, ocorre uma coisa estranha. Há setores que parecem satisfeitos com fracassos do próprio país. Isso contrasta com a atitude interna dos outros países do G-4, por exemplo. No Japão, todos, a população, a mídia, fazem campanha para integrar o Conselho. Aqui, não. Mas esse processo, ainda que não se conclua agora, foi fundamental para nós. Com o G-4, o Brasil mudou de patamar na ordem mundial. Traçamos um caminho sem volta.