Título: Momento dois
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 14/08/2005, Panorama político, p. 2

Depois do depoimento de Duda Mendonça, ligando ao valerioduto e a pagamentos no exterior as contas das campanhas petistas de 2002, inclusive a presidencial, já não se pode aplicar ao presidente Lula, na acepção usada até aqui, a palavra blindagem. Ainda assim, e apesar dos ímpetos demonstrados depois da fala de Lula na sexta-feira, nada indica que a oposição partirá amanhã para a defesa do impeachment do presidente.

O que protege Lula agora não é uma redoma de intocabilidade, mas um conjunto de circunstâncias sobre as quais ele e o governo têm menos controle do que a oposição. Significa que, a depender da evolução dos fatos, os adversários poderão até mesmo escolher o momento de um ataque frontal, e este deveria coincidir com o de uma redução significativa do apoio popular de que o presidente ainda desfruta.

São motivos para a cautela que deve ser adotada neste segundo momento da crise.

1. A fragilidade do argumento jurídico: Duda Mendonça afirmou ter recebido em sua conta Dusseldorf, nas Bahamas, pagamentos relativos à campanha de 2002. A CPI ainda precisa descobrir a origem dos recursos que abasteceram esta conta. Sabe apenas que eles partiram de outras quatro fontes no exterior. Precisará ainda de uma demonstração cabal de que a campanha do presidente e de seu vice foi diretamente beneficiada, o que Duda tentou descartar depois de ter afirmado que negociou com o PT um pacote para as campanhas de 2002. Difícil desempacotar agora.

2. O risco de confronto: A popularidade de Lula ainda é alta e há movimentos sociais prontos para se mobilizar em defesa de seu mandato. Para a oposição, deflagrar uma campanha pró-impeachment nestas condições é temerário. Alongar a crise e aprofundar as investigações é a estratégia que aponta para uma sangria mais acelerada da popularidade de Lula, aproximando-se o máximo possível das condições que favoreceram o processo de 1992.

3. O risco Severino: Discutir a legalidade da eleição do presidente, em função do pagamento posterior de débitos de campanha com dinheiro ilícito, exigirá também o debate da legitimidade de seu vice, José Alencar. Momentos houve em que a perspectiva de um governo dele amedrontava a oposição. Agora o temor é outro, o de que uma eventual vacância da Presidência e da vice leve à posse do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, o próximo na linha sucessória.

4. A crise do Congresso: Um processo de impeachment tem origem na Câmara e esta é uma Casa hoje moralmente ferida pelas denúncias de suborno de parlamentares pelo esquema PT-Valério. Pesquisas mostram que a população dirige sua ira muito mais contra o Congresso do que contra Lula.

5. O sorriso da vitória: Os tucanos sempre foram mais cautelosos do que os pefelistas ao falar na hipótese do impedimento. Agora têm mais razões para isso. A ascensão da candidatura José Serra, a quem a pesquisa Datafolha atribuiu real possibilidade de derrotar Lula num segundo turno, cria nos tucanos uma expectativa nova. A de voltar ao poder vencendo a corrida em tempo regulamentar, sem o estigma de ter sido o algoz de Lula, mas surrando-o continuamente nos próximos 18 meses. E mesmo que Lula não tenha condições de ser candidato, os tucanos começam a acreditar que a vitória está lhes sendo prometida contra qualquer outro.

Estas são situações hoje colocadas, que, naturalmente, não poderão ser controladas caso as investigações produzam uma situação da qual ninguém poderá fugir.

Quanto ao governo, com margens de manobra cada vez mais estreitas, com o PT esfacelado e os partidos aliados em crise, vê-se ainda às voltas com problemas laterais, como o salário-mínimo de R$385 que a oposição aprovou ¿com o fígado¿, como diz o senador Jereissati, num momento de irritação com a palhaçada do deputado Paulo Pimenta. O aumento, que compromete o ajuste fiscal, se não for derrubado na Câmara terá que ser vetado, quando Lula mais carece de sua âncora nas classes C, D e E. Na sexta-feira, em protesto contra a decisão leviana do Senado, o Ipea e o Pnud cancelaram o seminário sobre o ajuste fiscal do qual participariam senadores. Não viram sentido em discutir o tema com quem demonstrou total desapreço por ele.

Na oposição, veremos na segunda-feira vozes mais alteradas e um esforço organizado para pôr ordem nas investigações. O senador tucano Sergio Guerra, integrante da CPI dos Correios, diz que ela foi salva por Duda Mendonça do labirinto em que se encontrava, aprisionada na versão de Valério e Delúbio sobre os empréstimos bancários. Não conseguia encontrar fontes outras para o valerioduto. Agora, ele acha importante delimitar a fronteira entre a CPI-mãe e a do Mensalão, entregando a esta última tudo o que diz respeito a transgressões éticas de parlamentares. Na semana passada, as duas trabalharam em total paralelismo e sobreposição. A dos Correios, a seu ver, deve cobrar um roteiro do relator, dividir-se em subcomissões, a serem coordenadas pelos sub-relatores já escolhidos, e concentrar-se na investigação das contas no exterior e de todos os indícios de corrupção no governo: nos Correios, nos fundos de pensão, no IRB, em Furnas e outras estatais. Daí sim, poderão surgir os elementos para o terceiro momento da crise, que talvez leve a seu desfecho.

LULA ensaiou jogar Dirceu aos leões e ele entendeu. Na fase dois da crise, é preciso prestar atenção também ao que ele fará.

BRIGAM os marqueteiros e já se preparam para um ano de vacas magras em 2006. Os escândalos, a fiscalização mais rígida, mudanças na legislação e a fuga natural dos doadores prometem uma das campanhas mais pobres da História. A do referendo ao desarmamento, diz o senador Renan Calheiros, já será franciscana no que diz respeito às peças televisivas.