Título: Para empresários do Brasil, Kerry é incógnita
Autor: Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 28/10/2004, Economia, p. 32

George W. Bush ou John Kerry? Na avaliação de empresários brasileiros, o resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos não vai alterar a política comercial daquele país para a América Latina. Nenhum dos dois candidatos pretende rever medidas protecionistas ou fazer concessões a produtos da região. Mas há uma discreta torcida pela vitória republicana, cujos comportamento e idéias são conhecidos. Kerry, ao contrário, ainda é considerado uma incógnita.

O maior receio é que, eleito para ocupar a Casa Branca, o democrata aperte ainda mais a onda protecionista mantida por Bush desde sua posse, em 2001. Já existem sinais nessa direção. Kerry tem defendido a inclusão de cláusulas trabalhistas e ambientais em acordos comerciais ¿ algo que também foi tentado por Bill Clinton e que poderia prejudicar o Brasil. A lógica por trás da idéia é impor restrições ao comércio proporcionais à proteção ao trabalho e ao meio ambiente.

Grande produtor de grãos e atual governador de Iowa, Tom Vilsack tem sido cotado para o Departamento de Agricultura em caso de vitória de Kerry. Vilsack apóia a proposta do padrinho. Se vingar, a pretensão do candidato democrata pode ser um obstáculo extra no caminho já congestionado para a criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

No ponto em que as negociações foram interrompidas, não houve qualquer consenso importante. O projeto apresentado por Bush prevê graus diferentes de abertura do mercado americano a produtos da América Latina. As maiores barreiras continuariam sendo aplicadas aos países do Mercosul, mais competitivos que os americanos na agricultura.

¿ O resultado vai depender do esforço dos nossos negociadores e menos dos EUA ¿ diz José Pessoa, um dos maiores usineiros do país.

Existe também a preocupação com o monumental déficit orçamentário dos EUA, que atingiu US$ 412,6 bilhões nos 12 meses encerrados em setembro (fim do ano fiscal americano), puxado pelo corte de impostos e pelo aumento das despesas com segurança interna e com a guerra no Iraque. Os analistas são unânimes em afirmar que o país será forçado a fazer um ajuste nas contas públicas e isso poderá resultar numa desaceleração de sua atividade econômica ¿ com impacto direto no restante do mundo.

¿ Bush pode até fazer um ajuste das contas, mas não como Kerry ¿ diz o presidente da Câmara Americana de Comércio de São Paulo (Amcham), Sérgio Haberfeld.

A visão pragmática dos empresários também identifica na atual relação entre Bush e o presidente Lula uma garantia de que, mesmo que tímidos, os entendimentos entre os dois serão mantidos. Os dois presidentes já se encontraram diversas vezes. O embaixador dos EUA no Brasil, John Danilovich, é amigo pessoal de Bush e atuou para a recente visita ao Brasil do secretário de Estado do seu país, Colin Powell.

¿ Se Bush não atrapalhar, já ajuda ¿ diz o presidente da Sociedade Rural Brasileira, João Sampaio Filho.

Bom relacionamento entre Lula e Bush é trunfo

Para Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos EUA e na Grã Bretanha, esse bom relacionamento acontece num momento em que o Brasil tenta ampliar sua influência na região. Exemplos disso são seu esforço para a formação do grupo de países amigos da Venezuela e a decisão de participar da missão de paz no Haiti.

¿ De um ponto de vista objetivo, o bom relacionamento entre os dois pode ajudar. Mas a princípio, é indiferente para o Brasil quem sairá vencedor ¿ diz ele, que vai presidir o Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp.