Título: Endividado, PT pode perder Fundo Partidário
Autor: Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 14/08/2005, O País, p. 10

Especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo GLOBO dizem que legenda corre o risco de ter o registro cassado

SÃO PAULO. Destroçado pelos escândalos financeiros e políticos, além de estar completamente endividado, o PT corre o risco agora de ter seu registro cassado ou, no mínimo, de perder o direito por um ano ao Fundo Partidário, verba que garante metade da receita petista, de R$48 milhões por ano. A ameaça foi analisada por especialistas ouvidos pelo GLOBO. É tendo que enfrentar isso que sete candidatos disputam o comando do PT, que será decidido no dia 18 de setembro. O consenso entre eles é de que a campanha eleitoral de 2006 será muito pobre, movida à custa de militantes desencantados.

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), candidata pelo Movimento PT, corrente de centro, teme que a situação jurídica do partido chegue a inviabilizar as eleições internas. Ela e outros candidatos tentam buscar saídas que deverão ser discutidas ao longo da semana.

¿ A cassação é uma ameaça real que pesa sobre nós. Precisamos cuidar de nossa defesa antes que nos tornemos todos inviáveis ¿ disse Maria do Rosário.

A candidata a presidente do PT participa de um movimento interno que propõe a destituição do diretório nacional, que seria trocado por uma comissão provisória, montada por consenso entre os candidatos.

¿ O PT não pode ser responsabilizado pelo crime de alguns. O presidente Lula nos deu o caminho ao dizer que foi traído. Nós, do PT, também fomos traídos. Assim, os que cometeram crimes precisam ser punidos. O melhor é destituir o diretório nacional e chamar uma auditoria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ¿ afirmou Maria do Rosário.

PT vai precisar dos militantes

Para a candidata, a direção que for eleita dependerá da contribuição de militantes para pagar uma dívida oficial de R$59 milhões e ainda fazer a campanha de 2006. Candidato pelo Campo Majoritário, o presidente atual, Tarso Genro, ainda não decidiu sequer se realmente manterá sua candidatura. Ele tem afirmado para amigos que não está mais disposto a sofrer tal desgaste, já que a corrente majoritária ainda é controlada pelo ex-ministro José Dirceu. Tarso tem dito que já deu sua cota de sacrifício ao PT quando deixou o cargo de ministro da Educação para fazer um mandato tampão no partido em crise. Até agora, Tarso não iniciou sua campanha como candidato a presidente.

O financiamento militante também é defendido pelos outros candidatos. Valter Pomar, da Articulação de Esquerda e membro da atual direção, disse que as eleições internas serão feitas de qualquer maneira:

¿Nem que a gente tenha que usar caixinhas de sapatos (como urnas). Nós precisamos de uma nova direção e vamos tê-la.

Segundo ele, o PT se habituou a fazer gastos generosos nas campanhas e terá que mudar de padrão.

¿ Ninguém me provou que gastar R$21 milhões com shows de gosto duvidoso ou com um marqueteiro malufista (numa referência ao publicitário Duda Mendonça) nos deu votos. Além disso, o PT não é uma empresa falimentar, como alguns já disseram, mas um partido político. A maioria dos petistas quer defender o PT e é isso o que faremos ¿ disse Pomar.

Candidato pela Democracia Socialista, Raul Pont observou:

¿ O partido sempre sobreviveu sem dinheiro. Voltaremos aos velhos patamares de campanha. Mas não nos desanimamos, passamos por coisas piores, como a ditadura. E não vamos dar de barato a questão jurídica. Vamos brigar muito, pois o crime é de alguns dirigentes, que devem ser responsabilizados.

Plínio de Arruda Sampaio, candidato pela Ação Popular Socialista (APS), afirmou que a volta às raízes é o próprio tema de sua candidatura:

¿ Um partido socialista só pode ser financiado por seus próprios filiados. A intenção é que o PT volte a ser o que era.

O desânimo dos militantes não tem comprometido as candidaturas, segundo eles:

¿ O desencanto, o desalento dos militantes dificulta muito, mas não vamos desistir. Estamos em plena campanha e estamos sendo bem recebidos ¿ disse Pont.

Já Plínio de Arruda Sampaio afirma que o desencanto foi com o Campo Majoritário, que comanda o partido.

¿ Não somos do mesmo grupo e por isso a adesão tem sido grande ¿ avaliou Plínio.

Especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo GLOBO são unânimes ao afirmar que o PT perderá o direito ao Fundo Partidário por um ano, como prevê a Lei dos Partidos Políticos (9.096), que diz, em seu artigo 31, ser vedado aos partidos receber dinheiro de entidade ou instituição financeira do exterior, direta ou indiretamente, sob qualquer pretexto. O artigo 36 da mesma lei diz que a penalidade é a perda do repasse do Fundo Partidário, segundo explica o advogado Alberto Rollo. Já sobre a possibilidade de cassação do registro, Rollo afirma que faltam elementos para tanto. O advogado Ricardo Penteado concorda com Rollo.

O ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior avalia que a perda do Fundo Partidário será a punição mínima para o PT. Segundo ele, outros partidos envolvidos também poderão perder o direito ao fundo pela prática de caixa dois.

¿ O caso é de cassação do registro do partido. Se ficar provado o crime de evasão de divisas, significa no mínimo que o PT foi instrumento de prática delituosa. Houve um desvirtuamento da função do partido, condenado pela própria Constituição, que define a finalidade dos partidos ¿ disse o advogado Reale Júnior.

O jurista Dalmo de Abreu Dallari considera prematuro cogitar a cassação do registro do PT:

¿ Tudo isso ainda dependerá de processos regulares. Aliás, se houvesse rigor, todos os partidos teriam que ser cassados.