Título: RADICALISMO À VISTA
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 15/08/2005, O País, p. 4

Seja qual for o desfecho da crise, o que se vê no horizonte é radicalização. Se a oposição não tiver o bom senso de parar de apostar no quanto pior melhor, Lula, o desprendimento de abrir mão da reeleição e o Congresso, a coragem de punir seus corruptos, o triste legado às novas gerações será um país dividido pelo acirramento político sem precedentes nos 20 anos pós-redemocratização.

Ainda assim, é bom que ninguém se iluda. A esta altura do campeonato, mesmo a saída negociada deixará seqüelas. Depois de a oposição ter brincado de elevar o valor do salário-mínimo ¿ deixando as águas contaminadas da crise alcançarem os calcanhares da economia ¿, das confissões de Duda Mendonça sobre o caixa dois do PT, do pronunciamento presidencial e de o impeachment ter virado palavrinha fácil na boca de alguns setores, claro ficou que hoje a opção é entre o pior e o menos pior.

As variáveis que vão compor cenários futuros mostram que a campanha eleitoral de 2006 tem tudo para ser uma das mais radicalizadas dos últimos tempos. E quem se eleger terá grandes dificuldades para recompor o quadro e governar com tranquilidade. Algumas dessas variáveis:

1. O impeachment pode ser uma fria para todos. Nas últimas horas, alguns andaram surfando perigosamente na onda do impeachment. Na reunião de hoje das oposições, pode ser que refluam. Impeachment é saída política, e tem que representar a vontade da maioria das forças sociais. Não se trata nem da questão de deixar a presidência na mão de Severino Cavalcanti ¿ a Constituição diz que o presidente da Câmara só pode ficar 30 dias no Planalto, ao fim dos quais tem que convocar nova eleição. O problema todo é: a população quer tirar Lula? Claro está que, apesar de todo o desgaste, a maioria não vê o presidente como responsável pelos escândalos do mensalão e do caixa dois: 63% não querem o impeachment de Lula, segundo o Datafolha. Forçar essa situação será levar ao confronto, e não só no Congresso. Nas ruas.

2. Lula pode desistir da reeleição, mas é peça importante do jogo. Depois da pesquisa em que, pela primeira vez, José Serra vence Lula no segundo turno, o sonho dourado do tucanato não é mais impeachment. É sangrar o presidente para que ele chegue anêmico a 2006. Ou então para que ele desista da reeleição, possibilidade bastante real hoje, verbalizada por um próximo amigo de Lula, o governador Jorge Viana, ontem em entrevista ao GLOBO. O fato de Lula anunciar que não disputará não o tornará, porém, carta fora do baralho. Pode pacificar as coisas num primeiro momento e, lá na frente, de acordo com as condições de temperatura e pressão da política e da economia, mudar de idéia. Ou jogar tudo para eleger o sucessor. Quem? Ele mesmo.

3. Palocci pode ser o candidato de Lula e das forças neoliberais.O ministro da Fazenda vem tentando se preservar ao máximo na crise, e não só porque é o principal avalista da estabilidade da economia. É também a carta escondida na manga de Lula para 2006. Palocci será candidato forte se os números da inflação, do crescimento e do desemprego não degringolarem. Pode ter o apoio do establishment econômico, virando de ponta-cabeça o debate da campanha: desta vez, o candidato petista é que representaria a continuidade das políticas mais conservadoras e ortodoxas. Quem diria...

4. Serra é o candidato tucano, mas pode dividir a oposição. Não há dúvida, depois das últimas pesquisas, que o nome do PSDB é o prefeito de São Paulo. Não atrai, contudo, nem o PFL nem o PMDB para aliança no primeiro turno. Vai ser cada um por si.

5. O dilema da esquerda: o que será dos movimentos sociais com a morte do PT? É imprevisível. O PT sempre serviu como escoadouro desses movimentos, ajudando a organizar suas forças e amortecer seu impacto. Sem esse canal, como ficam as ruas? O certo é que um Lula ferido e um PT massacrado ainda terão bastante influência junto a movimentos como o MST, os sem-teto, os sindicatos...

6. E se a economia for para o vinagre? Nenhum dos principais atores políticos do governo e da oposição ganha com isso. Os primeiros perdem sua principal bandeira. Os outros levam a culpa. Depois de tanto esforço, abre-se espaço para aventuras e aventureiros...

7. O que somos e o que seremos: mais um país latino-americano que coloca seus presidentes para correr? Isso também está em jogo. A duras penas, o Brasil conquistou credibilidade no mercado, respeito no mundo e liderança na América do Sul. É uma pena botar tudo a perder.