Título: VALÉRIO TERIA ATUADO NA TENTATIVA DE REELEIÇÃO NO CONGRESSO
Autor: Gerson Camarotti e Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 14/08/2005, O País, p. 12

Ações de Dirceu e João Paulo em 2004, supostamente usando esquema do empresário, preocupam o Planalto

BRASÍLIA. O Palácio do Planalto está preocupado com as evidências que começam a aparecer na CPI dos Correios de que o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu (PT-SP) teria operado com o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) e o empresário Marcos Valério na tentativa frustrada para aprovar, ano passado, a emenda constitucional que permitiria a reeleição para presidentes da Câmara e do Senado. No núcleo do governo, a suspeita é de que Dirceu atuou muito mais próximo de Valério do que ele admitiu até o momento. E que o que estava em jogo era o projeto do ex-chefe da Casa Civil para concorrer à Presidência em 2010.

Nos últimos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou preocupação com essas evidências. A constatação no Planalto é de que o ex-tesoureiro Delúbio Soares não foi o único a fazer uma aproximação de Valério com Dirceu. Pela versão de um ministro petista, João Paulo também teria tido um papel fundamental para avalizar as operações de Valério.

Sabe-se agora no governo que enquanto Delúbio usava Valério para fazer a negociação partidária com a base aliada, o empresário mineiro ganhou prestígio em outra frente: a campanha pela emenda da reeleição, que beneficiaria João Paulo.

Pela estrutura da campanha pela emenda da reeleição, Dirceu funcionava como o operador palaciano, João Paulo, o articulador político, e Valério, o operador.

João Paulo começou a negociar com Valério a sua reeleição em setembro de 2003. É naquele mês que há registro de um encontro dos dois na residência oficial da presidência da Câmara na agenda da ex-secretária Fernanda Karina Somaggio. Em seguida, a mulher de João Paulo sacou R$50 mil das contas de Valério no Rural. Um mês depois, o empresário mineiro ganhou a conta da Câmara dos Deputados.

Segundo uma fonte petista, Dirceu passou a se envolver de forma mais explícita pela reeleição a partir de janeiro de 2004, quando a emenda passou a ter viabilidade. Ele tentou derrubar Aldo Rebelo quando o ex-ministro da Coordenação Política começou a trabalhar nos bastidores contra a reeleição.

Senadores da base governista ouvidos pelo GLOBO relataram que Dirceu demonstrava irritação com o então líder do PMDB, senador Renan Calheiros(AL), que atuou para derrotar a reeleição. Recentemente, um senador do PMDB fez um desabafo para Renan em seu gabinete:

¿ Só agora temos conhecimento da operação que enfrentamos naquela época. Dirceu e João Paulo utilizaram o esquema Valério para tentar aprovar a reeleição.

Renan Calheiros ficou calado. Os peemedebistas lembram as pressões sofridas pela bancada na Câmara pelo então líder do partido, deputado José Borba (PMDB-PR). Na ocasião, Borba chegou a relatar que João Paulo ameaçara suspender os recursos do esquema Valério.

Segundo a lista de Valério, Borba recebeu R$1,1 milhão de setembro a dezembro de 2003. Depois disso, o repasse foi interrompido. Em julho de 2004, Borba teria recebido R$1 milhão, depois que a emenda da reeleição foi rejeitada, em 19 de maio. Foi em julho que João Paulo procurou Borba para retomar a votação da emenda da reeleição. Na época, derrotada a reeleição na primeira votação, o então líder do PMDB estava otimista para outra tentativa.

¿ Se a emenda da reeleição for votada novamente, ela será aprovada. As coisas mudaram e muita gente está mudando de posição ¿ dizia, enigmático, José Borba.

O PMDB foi decisivo para a derrota de João Paulo. Só 15 dos seus 78 deputados votaram pela reeleição, que foi derrubada por 303 votos a favor (cinco a menos do que o necessário), 127 contra e 9 abstenções. Na ocasião, Borba pediu permissão ao PMDB para liberar 15 votos. O PTB deu 39 votos pró-reeleição, o que representou 75% da bancada. Os outros partidos aliados tiveram votação semelhante: índice do PP foi de 75,9% e do PL foi de 67,4%.

Repasses de maio e junho de 2004 seriam para campanha

Segundo dados da lista apresentada por Marcos Valério, em setembro de 2003 houve uma distribuição total de R$3,8 milhões para partidos aliados. Em abril de 2004, um mês antes de votar a emenda da reeleição, Valério teria repassado R$3,9 milhões.

Por esses dados, em maio e junho, os repasses teriam diminuído, sendo retomados em julho e agosto. A CPI dos Correios trabalha com a hipótese de que os repasses desses dois meses foram para pagamento de gastos de campanha.

Os principais colaboradores do presidente Lula relembram que ele nunca esteve envolvido com a reeleição de João Paulo. Pelo contrário, sempre demonstrou contrariedade com João Paulo, inclusive em discursos públicos.