Título: Entrincheirados na desobediência
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 14/08/2005, O Mundo, p. 34-35

Judeus contrários à entrega de assentamentos aos palestinos preparam-se para resistir

Após tentativas frustradas das autoridades israelenses de impedir a entrada de civis na Faixa de Gaza, a população dos 21 assentamentos judaicos se multiplica e desafia as forças de segurança. Segundo estimativas do Exército, pelo menos cinco mil ativistas conseguiram infiltrar-se clandestinamente nas colônias para resistir e dificultar o trabalho de remoção dos oito mil colonos judeus que vivem na região. De acordo com o plano de retirada do premier Ariel Sharon, a Operação Mão Amiga começa na madrugada de amanhã, quando soldados vão percorrer as casas pedindo que as famílias saiam espontaneamente. Os colonos têm até quarta-feira para deixarem suas casas voluntariamente. A partir de então, o Exército vai removê-los à força, se necessário.

No assentamento de Neve Dekalim, alto-falantes recomendam aos moradores que estoquem comida e dão dicas para que os recém-chegados encontrem alojamento. O vaivém de gente circulando com tendas, sacos de dormir e caixas de mantimentos prova que a população real esta muito acima das 540 famílias ¿ cerca de 2.600 pessoas ¿ que vivem oficialmente na maior colônia de Gaza. A professora aposentada Dina Ben Tov foi uma das que deixaram o conforto de sua casa em Jerusalém, driblou as proibições do Exército e se mudou para Neve Dekalim para aliar-se aos colonos. Aos 62 anos, não se importou em procurar a tenda de informações montada na praça principal do assentamento em busca de um lugar para dormir.

¿ Não podia ficar em casa vendo pela TV o campo de concentração que se tornou Gush Katif. A retirada é um ataque à identidade israelense. Vim porque se trata de uma briga pela democracia e pelo futuro de Israel. Temos aqui as melhores pessoas do mundo. Cheguei sem conhecer ninguém, pedi ajuda e logo encontrei hospedagem numa escola. Ajudo a preparar atividades, fazemos mutirão para receber visitantes e vamos esperar até o fim. Quero ver os soldados terem coragem de nos expulsar. O Exército é para nos defender e não para nos destruir ¿ disse Dina, esperando por um milagre.

O medo de que a operação militar se arraste por muito tempo levou multidões às compras e deixou vazias as prateleiras do único supermercado de Neve Dekalim. A espera na fila para sacar dinheiro no caixa eletrônico podia chegar a 30 minutos e, em frente à prefeitura, jovens disputavam espaço na sombra para fugir do calor em barracas improvisadas para a venda de camisetas e pulseiras laranjas, a cor oficial da resistência. Os pequenos comerciantes tentavam disfarçar o clima de incerteza comemorando o aumento da clientela, como o francês naturalizado israelense David Lanun. Há cinco anos, Lanun deixou Paris com a esposa Michal e o filho de 15 anos fugindo da crescente onda de anti-semitismo na Europa para ganhar a vida fazendo pizzas no assentamento.

¿ Vim para cá por sionismo e não vou sair, se Deus quiser. Meus avós foram expulsos da Europa por serem judeus, eu me sinto expulso da França por causa do anti-semitismo e agora dentro de Israel não posso ser expulso de Gaza. Há muitos amigos ao redor e isso nos dá força para acreditar que algo ainda vai mudar. Vivemos em paz e sabemos que a verdade está conosco. Se querem expulsar alguém, que expulsem os palestinos para a Jordânia e não nós ¿ afirmou.

A presença de centenas de repórteres questionando o futuro após a megaoperação militar já desperta a fúria de ativistas de extrema-direita escondidos na região. Na quinta-feira, uma repórter do Canal 1 da TV israelense foi atacada por colonos numa transmissão ao vivo. Dezenas de cabos de TV foram cortados e equipamentos danificados durante a madrugada.

¿ Alguns radicais acham que a TV é responsável pelo que esta acontecendo. Tenho algum receio de andar com meu crachá de imprensa ¿ contou uma produtora do Canal 2 da TV israelense.

Apesar da agitação, a poucos metros dali, ativistas montavam escorregas e pula-pulas para as crianças, alheios à movimentação. Cartazes espalhados pelos muros convidam os moradores a participar de orações e palestras no centro cultural ou nas casas de voluntários. De acordo com o líder do comitê de resistência dos colonos, Rafi Seri, a ordem é que para que a vida siga normalmente até o dia em que as Forças Armadas baterem à porta pedindo que os moradores abandonem suas casas. Segundo ele, o comitê está distribuindo um guia ensinando todos os habitantes a reagirem à chegada dos soldados.

¿ A decisão é pessoal, mas no guia fica claro que não vamos colaborar com o plano de Sharon. Isso significa que se soldados chegarem à minha casa, vou continuar sentado com a família e as crianças. Se querem nos tirar, vai ter que ser à força. Não vou ajudá-los ¿ afirmou.