Título: Mudou a conversa
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 16/08/2005, Panorama Político, p. 2

¿Impeachment não é Cafiaspirina¿, sentenciou o deputado Ulysses Guimarães quando se começou a falar no impedimento de Fernando Collor. As investigações da CPI não ofereciam ainda o elemento jurídico nem estavam criadas as condições políticas. Elas chegaram com as grandes manifestações contra Collor. Ulysses refez sua avaliação, integrou-se às articulações pró-impeachment, mas morreria antes de concluído o processo. O que os partidos de oposição fizeram ontem foi o caminho inverso.

Constataram que os argumentos jurídicos disponíveis são frágeis e que inexistem as condições políticas, mais determinantes, para a abertura de um processo contra o presidente Lula. Na quinta-feira, depois do depoimento de Duda Mendonça, confessando o recebimento de dívidas da campanha petista de 2002 no exterior, esta possibilidade deixava a oposição excitadíssima. Verdade que uns mais que outros. Se o PFL falava de impedimento com homogênea desenvoltura, entre os tucanos as entonações variavam, ficando os agudos para sábios sem voto como Bresser Pereira. O PSOL, que vem a ser Heloísa Helena, falava em plebiscito revogatório, uma saída pelo povo, mas também com ruptura. Na sexta, depois que Lula fez seu pronunciamento como se tomasse purgante, a excitação continuou.

Na reunião de ontem, parecia que a palavra impeachment não fora pronunciada por ninguém na oposição; só faltaram dizer que foi tudo uma precipitação da imprensa. Puseram o assunto de lado e trataram de pôr ordem nos trabalhos da CPI dos Correios, que depois de andar em círculos algumas semanas, ganhou nova pista para suas investigações com o depoimento espontâneo de Duda. Ontem seu presidente, senador Delcídio Amaral, prometia boas revelações esta semana sobre a origem da dinheirama do valerioduto.

A oposição mudou de conversa por uma combinação de conveniência com cautela. No quadro atual, com duas manifestações marcadas para esta semana em Brasília, uma pró-Lula, outra anti-Lula, chegaríamos à noite das garrafadas. Mas estarão prontas, se novas descobertas produzirem clamor popular.

Outro que se disse pronto (para assumir a Presidência) foi Severino Cavalcanti e isso despertou cautelas. No domingo, falamos aqui do risco Severino, dizendo erradamente que ele assumiria no caso de impedimento do presidente e de seu vice. Na verdade, diz o artigo 81 da Constituição, ocorrendo a dupla vacância na segunda metade do mandato, o presidente da Câmara assume mas convoca eleições indiretas dentro de 30 dias. Ocorre, porém, que este artigo nunca foi regulamentado. Não deixa claro, por exemplo, se o eleito terá que ser um congressista ou pode ser qualquer brasileiro. Severino poderia assumir e ir ficando, até que se discutisse e aprovasse a regulamentação. E com isso já estaríamos chegando à eleição do ano que vem, com um custo altíssimo para o país, que iria para a conta dos algozes de Lula.

Se o governo receber uma visita da autoconfiança, e não for surpreendido por nova revelação bombástica, pode aproveitar a pausa e sair da toca.

O senador e ex-presidente José Sarney, até agora calado sobre a crise, faz hoje um discurso no Senado. Contra a corrupção, a irracionalidade e o golpismo, diz quem leu uma parte.