Título: MP ACUSA 30 DO PROPINODUTO II
Autor: Elenilce Bottari/Maiá Menezes
Fonte: O Globo, 16/08/2005, Rio, p. 12

Denunciados empresários, intermediários e funcionários da Receita e do INSS

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra 30 pessoas - servidores da Receita Federal e do INSS, intermediários e empresários - envolvidas no esquema de fraudes que ficou conhecido como Propinoduto II. Segundo a denúncia, o grupo acusado de praticar crimes contra a administração pública, contra a ordem tributária e contra a fé pública foi responsável por fraudes em 2003 que totalizaram R$20 milhões. Devido à complexidade dos atos praticados pela quadrilha, o MP determinou ainda a instauração de inquérito policial complementar. A denúncia, com 84 páginas, foi recebida pela 3ª Vara Federal Criminal. Sete procuradores da República participaram das investigações, que envolveram três empresários, seis servidores federais e 21 intermediários, entre despachantes, advogados e consultores de empresas.

Segundo o MP, a quadrilha oferecia às empresas serviços para forjar a regularização de situação fiscal no âmbito da administração pública para emissão irregular de Certidões Negativas de Débitos (CNDs) no INSS, para restituição ou compensação irregular e homologação de compensação indevida de débitos fiscais na Receita Federal, inclusive com créditos de terceiros. Também oferecia informações privilegiadas para conseguir vantagens ilícitas.

Certidão negativa teria sido forjada

Uma das empresas que teriam sido beneficiadas pelo esquema seria a Pan-Americana Indústrias Químicas. Com uma dívida de R$1,27 milhão com o INSS, seus proprietários teriam procurado, em abril de 2003, segundo o MP, intermediários para conseguir junto ao INSS uma Certidão Negativa de Débitos. Após isto, a servidora Nilma Fernandez teria inserido no sistema do INSS a falsa comprovação de pagamento das cinco parcelas da dívida e, assim, expediu uma certidão de que não constavam débitos. A Assessoria de Imprensa da Pan-Americana disse que a diretoria tem convicção de que a Justiça vai apurar todos os fatos. E que, ao fim, ficará comprovado que a empresa não tem qualquer envolvimento com esses episódios

Entre os dez denunciados neste caso, estão a consultora de empresas Ana Cláudia Amaral de Andrade, como intermediária, e o então delegado titular da Delegacia de Arrecadação Tributária do Rio, José Góes Filho, apontado como chefe do esquema. Segundo o advogado Michel Assef, Ana Cláudia não cometeu crime:

- Ela prestava consultoria à empresa. A acusação de que ela praticou crimes de falsificação de documentos e crime contra ordem tributária não é verdadeira. Ela não conseguiu certidão usando documentos fraudados. Essa certidão foi conseguida com base em parecer favorável da Procuradoria do INSS. Se houve algum erro, foi do INSS. Além disto, ela não pode responder por formação de quadrilha, porque só conhecia um dos acusados - alega Assef.

Fraude também nos débitos tributários

Segundo o MP, a Pan-Americana teria sido beneficiada em outro esquema, realizado em fevereiro daquele ano, envolvendo o auditor fiscal da Receita Federal Marcos Visconti Fiori, acusado de ser integrante da quadrilha, através de compensação fraudulenta de débitos de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, Cofins e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Só nesse caso, a Receita Federal teve prejuízo superior a R$1 milhão. A fraude consistiu na utilização de créditos tributários que já haviam sido restituídos à empresa em 1996.

Outra empresa cujo proprietário acabou também denunciado foi a SEG - Serviços Especiais de Segurança e Transporte de Valores S.A. Durante uma ação fiscal, realizada no primeiro semestre de 2003, a auditora da Receita Federal Vera Lúcia da Gama Quintella teria, através de intermediários, procurado o empresário Marcelo Baptista de Oliveira para negociar uma propina. O empresário teria, segundo os procuradores, condicionado o pagamento da propina à promessa de se livrar de qualquer responsabilidade fiscal pela falência da SEG. O empresário Marcelo Baptista de Oliveira não foi encontrado para falar sobre o assunto.

Em outro caso, servidores da Receita Federal teriam exigido pagamento de propina da empresa Monteiro Aranha S/A, para liberar a restituição do imposto de renda. Entre o envolvidos no caso está o ex-presidente do Flamengo Edmundo dos Santos Silva. Em seu escritório, a Polícia Federal apreendeu cópia da relação de ordens bancárias externas com o carimbo do Banco do Brasil, documento interno da Receita Federal que teria sido utilizado pelos intermediários para exigir da empresa o pagamento da vantagem indevida.

Também no âmbito da Receita Federal, a quadrilha realizou compensação ilícita de débitos de várias empresas usando créditos tributários da Indústria Verolme-Ishibras S/A. Um grupo de advogados, que teriam atuado como intermediários, firmou contratos com empresas para quitar seus débitos tributários utilizando créditos que a Verolme tinha junto à Receita Federal. Pela operação triangular, as empresas pagariam suas dívidas à Receita usando os créditos da Verolme. Mais tarde, pagariam à Verolme pelos créditos utilizados. Esse tipo de operação, porém, já teria sido proibido pela Receita quando foi realizado.

Uma dessas empresas, segundo o MP, foi a Refinaria de Manguinhos, numa operação que teria causado um prejuízo de mais de R$18 milhões aos cofres públicos.

Acusado de participar desse esquema de compensação ilícita de débitos, o então delegado titular da Delegacia de Arrecadação Tributária do Rio, José Góes Filho, foi denunciado por formação de quadrilha, concussão, corrupção e peculato. Góes, que pediu aposentadoria depois que o escândalo veio à tona, classificou a denúncia do MP como inconsistente. Ele disse ontem que a operação de compensação de créditos foi a única alternativa, já que a outra opção seria ressarcir a empresa (Verolme) da dívida que a Receita tinha com ela.

- Asseguro uma vez mais que não participei de absolutamente qualquer coisa errada. A operação da Verolme está 100% correta. Essas denúncias se devem à precipitação do corregedor da Receita Federal, na época. Não tenho a menor dúvida disso - disse José Góes.

Ele negou também envolvimento no caso da suposta tentativa de extorsão à empresa Monteiro Aranha:

- Aquela operação, se houve, não foi feita por mim. Meu advogado está pegando o processo agora. Mas eu não acredito nessa história de terem pedido propina. E com certeza absoluta não estou envolvido nisso. Estou completamente fora disso.

Às 6h do dia 30 de setembro do ano passado, oficiais de Justiça e agentes da Polícia Federal, da Receita e do Ministério Público percorreram mais de 20 escritórios, recolhendo documentos e efetuando prisões. Ao todo, foram cumpridos 30 mandados de prisão, mas todos os envolvidos estão soltos, por decisão judicial.

Primeira ramificação do propinoduto começou a ser investigada há três anos

O primeiro capítulo do escândalo do propinoduto veio a público no fim de 2002. Na época, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal começaram a investigar a participação de auditores da Receita Federal e fiscais da Secretaria estadual de Fazenda em crimes de extorsão, lavagem de dinheiro e remessa ilegal de divisas para o exterior. A investigação descobriu que 22 pessoas estavam envolvidas no caso, entre eles Rodrigo Silveirinha Corrêa, subsecretário de Administração Tributária da Secretaria de Fazenda de janeiro de 1999 a abril de 2002, no governo Anthony Garotinho, e também indicado para a presidência do Codin, na gestão de Rosinha Garotinho, e o fiscal Carlos Eduardo Pereira Ramos. O grupo, condenado a penas somadas de 248 anos e meio de prisão, enviou US$33,4 milhões na Suíça.

Defendido pelo advogado Clóvis Sahione, Silveirinha passou um ano e dois meses preso, após ser condenado a 15 anos de reclusão por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. Demitido pela governadora, ele chegou a pedir, através de um mandado de segurança, o reingresso ao posto de fiscal, mas o pedido foi indeferido pelo Tribunal de Justiça. Em dezembro de 2004, ele - que enviou US$8,7 milhões ilegalmente para a Suíça, foi demitido do cargo que ocupava no estado.

Em junho do ano passado, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), todos os 11 fiscais estaduais e auditores federais envolvidos no escândalo do Propinoduto e que cumpriam pena na carceragem do Ponto Zero foram liberados. Entre eles estava Rodrigo Silveirinha.

Na época de sua prisão, relatório do procurador-geral da Suíça, Brent Holtkmann, informava a remessa de dólares do fiscal para o exterior. A maior parte dessa quantia deixou o país em 1999 e 2000, quando ele ocupava a Subsecretaria de Administração Tributária. Ele comandava, então, a estrutura de fiscalização de impostos do estado.

Silveirinha coordenava a Inspetoria de Contribuintes de Grande Porte, responsável pela fiscalização das 400 maiores empresas do Rio. Essa inspetoria foi extinta quando Benedita da Silva assumiu o governo, em abril do ano passado. Silveirinha também controlava o programa de reestruturação da fiscalização de empresas fluminenses.

INCLUI QUADRO: COMO FUNCIONAVA O ESQUEMA