Título: BEM-ESTAR ANIMAL
Autor: Xico Graziano
Fonte: O Globo, 16/08/2005, Opinião, p. 7

Segura, peão! Acontece em Barretos a maior festa do rodeio brasileiro. Tipicamente rural, a montaria de animais ganha fama na cidade e glamour na mídia. O interior se valoriza.

Há 50 anos nascia o Clube dos Independentes. Surgiu incentivando a moda de viola e a catira, o desfile de carro de boi, o berrante. Folclore puro. Os caminhos do Brasil estiveram ligados fortemente ao tropeirismo.

No Nordeste, a disputa reside na captura do bezerro em disparada. São as vaquejadas que animam a população. Já no Centro-Sul, a perícia do peão se demonstra na monta. Há também as provas de laço no bezerro. E nesse quesito se percebe o recente aprimoramento da atividade. Ao contrário do que muitos pensam, é aqui, e não na montaria, que a rês mais sofre. Ao ser freado repentinamente pela corda, o choque dilacera o couro do animal, ou se lhe destronca o osso.

Para amortecer o tranco da laçada, os veterinários impuseram a necessidade de se utilizar um redutor de impacto, uma espécie de mola imiscuída na corda. Mas a solução técnica custa se difundir. Resultado: em 2003, a falta de tal dispositivo de proteção resultou na suspensão das provas de laço na festa de Barretos. Os bezerros agradeceram.

A consciência da proteção animal cresceu a partir da criação da Federação Nacional do Rodeio Completo (FNRC). Na seqüência, através da Resolução 18, editada em 1998 pela Secretaria da Agricultura paulista, pela primeira vez o rodeio era regulamentado no país. Foi o pontapé inicial da profissionalização.

A letra oficial estabeleceu as normas técnicas a serem cumpridas pelos promotores dos eventos. Vetava a utilização de instrumentos que pudessem causar injúria, a exemplo de descarga elétrica, das esporas com rosetas pontiagudas ou das cordas de náilon no sedém.

Melhor dizendo, uma necessidade. Ocorre que a febre dos rodeios no país trouxe uma ganância insuportável. Nos terrenos baldios do interior se erguiam precárias instalações para sua prática. Gente inescrupulosa colocava touros amedrontados e cavalos raquíticos para enfrentar o sofrimento. Até arame farpado se utilizava na barrigueira para induzir os coitados a pular. De dor.

A associação de proteção dos animais, aliada ao Ministério Público, reclamou com veemência. E com razão. Em nome da diversão se afrontava o bem-estar animal. Até que o Congresso Nacional aprova e vê sancionada, em 2002, a lei 10.519, que regulamenta a atividade.

Há quem abomine o rodeio de animais. Fica com dó dos bichos. Não é verdade, porém, que o animal padeça na montaria. Impõe-se um rigor de qualidade nos rodeios profissionais. E o bem-estar animal faz parte dessa agenda.

Assim como entre os humanos, os animais também mostram características de personalidade que os diferenciam. E os selecionam. Há touros que são pacatos, nada os irrita. Dóceis, são facilmente domesticados. Estes, a maioria, não servem para o rodeio.

Outros, ao contrário, nascem endiabrados, ferozes, ficam uma fera quando provocados. Não aceitam a monta. Entre esses, bravios e raros, recrutam-se os animais de rodeio. Aí vingou o Bandido, o touro mais famoso do momento.

Chama-se etologia a disciplina que estuda o comportamento animal. Uma espécie de psicanálise dos bichos. Nos rebanhos, formam-se líderes, estabelece-se hierarquia. Há indivíduos sociáveis, outros arredios. Parece gente.

Os animais de rodeio se assemelham aos atletas. São condicionados, bem alimentados. Não tem graça montar touro manso, pois a nota do peão depende da braveza do bicho. Judiação animal é diferente. Esta provoca tristeza, conforme se podia verificar nos zoológicos e nos circos. Entretanto, assim como nos rodeios, essa página negativa foi virada. Felizmente.

Agora, pensando no bem-estar animal, vale a pena também olhar para os bichinhos de estimação. Cães vivendo em apartamentos, xixi na pedrinha, comida seca, tudo artificial... Será que eles gostam, ou apenas servem aos caprichos humanos?

Um touro de rodeio, vivendo ao ar livre, mesmo tendo que dar uns coices, com certeza vive mais feliz que cachorrinho burguês.

XICO GRAZIANO é agrônomo e deputado federal (PSDB-SP). E-mail: xicograzianoterra.com.br.