Título: 'BRUNCH' COM VERBA SOCIAL
Autor: Carla Rocha/Dimmi Amora/Maiá Menezes
Fonte: O Globo, 17/08/2005, Rio, p. 15

Estado usou Fundo de Pobreza para pagar ar-condicionado, computadores, bonés e bufê

Um levantamento preliminar das ordens de pagamento feitas com recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza em 2004 promete esquentar hoje a votação das contas do governo do estado, pela Comissão de Orçamento da Assembléia Legislativa. Dinheiro do fundo foi usado para comprar seis aparelhos de ar-condicionado de dez mil BTUs, dois de GPS (rastreamento por satélite), quatro computadores, um notebook com DVD, bonés, camisas e até para contratar um bufê. Das sete empresas pagas pelo estado, pelo menos três não foram localizadas pelo GLOBO nos endereços declarados à Receita Federal. Contratada para servir brunch e café, a Delicadíssimo Buffet não é conhecida por moradores do Morro do Dendê, na Ilha do Governador, onde teria sede. O mesmo aconteceu no caso da Galardão, que forneceu camisetas e bonés, e da Stolt Rio, que vendeu aparelhos de ar-condicionado.

O governo estadual sustenta que não há qualquer ilegalidade na aplicação dos recursos. A maior parte das despesas foi feita pela Secretaria de Agricultura e Pesca, que coordena três programas de combate à pobreza. O secretário Cristino Áureo não soube precisar o destino do material, mas garantiu que não há chance de ter havido desvio de finalidade. Afirmando precisar de mais tempo para verificar o andamento de cada processo, ele disse não saber se o GPS fora comprado por sua secretaria:

- O que falo é uma ilação. Deve ter sido comprado para rastrear as propriedades rurais inscritas nos programas - disse o secretário, acrescentando que mandará apurar uma eventual irregularidade.

Secretário diz que vai abrir sindicância

A assessoria do governo informou que o bufê foi contratado pela Secretaria de Saúde no ano passado para servir lanches a agentes de saúde em treinamento no interior. O secretário de Saúde, Gilson Cantarino, disse que vai abrir sindicância para investigar se o fornecedor de fato não funciona no endereço declarado.

O deputado Alessandro Molon (PT), que fez o levantamento dos pagamentos no Sistema de Acompanhamento Financeiro dos Estados e Municípios (Siafem), considera as operações suspeitas. No dia 29 de dezembro, um decreto estadual transformou o fundo em fonte 00, impedindo o acompanhando dos gastos.

- O dinheiro foi gasto de maneira ilegal - disse Molon.

O deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), da Comissão de Orçamento, vai votar contra as contas do Fundo da Pobreza, que já foi alvo de ressalvas do Tribunal de Contas do Estado. Os deputados se debruçam hoje sobre o parecer do TCE sobre as contas de 2004, aprovadas com ressalvas. Depois do parecer da comissão, o relatório será apreciado pelo plenário da Assembléia Legislativa.

- O fundo representa um mero aumento de ICMS - afirmou Luiz Paulo. - Agora, se as empresas estiverem em situação irregular, o caso é mais sério.

O fundo, criado em 2003, existe graças ao aumento de 1% no ICMS da maioria dos produtos e de 5% nas contas de luz e telefone. Em 2004, a arrecadação foi de R$1,4 bilhão.

O levantamento das sete ordens de pagamento foi feito de forma aleatória, num universo de mais de cem mil operações envolvendo todas as secretarias do estado. A Delicadíssimo Coquetéis e Buffet Ltda recebeu R$9.369,00; a Galardão Comércio e Serviços Ltda, R$100 mil; os aparelhos de ar-condicionado foram comprados por R$4.770 na Stolt. O notebook custou R$6.648 na Data Plans Suprimentos. Já a compra dos quatro computadores custou R$10.620 na Primetech Informática.

A lei prevê que os recursos do fundo sejam aplicados em ações de complementação de renda, no atendimento a idosos, em planejamento familiar, urbanização de favelas e ações suplementares de nutrição, habitação, educação e saúde, entre outras.

Polêmica sobre outro fundo chega ao STF

Depois da polêmica sobre o Fundo de Combate à Pobreza, o governo estadual comprou outra briga com a oposição na Alerj e tributaristas ao criar o Fundo de Aplicações Econômicas e Sociais (Faes), que também usa recursos do ICMS. Há cerca de uma semana, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido de liminar, contra o Faes. O relator do caso é o ministro Sepúlveda Pertence.

Na ação, o procurador alega que a Constituição proíbe a vinculação do ICMs a qualquer tipo de fundo. O Faes permite que contribuintes façam doações que podem ser integralmente descontadas de seus débitos de ICMS. Desde a sua criação, em abril deste ano, o fundo arrecadou R$100 milhões, que já foram gastos.

O Faes, na prática, também livra parte do orçamento estadual dos limites constitucionais para saúde, educação e meio ambiente. Além disso, diminui o bolo sobre o qual incide o percentual do serviço da dívida com a União.

INCLUI QUADRO: CONHEÇA UM DOS DESTINOS DOS RECURSOS