Título: PRISÃO PRODUTIVA
Autor: Marcos Espínola
Fonte: O Globo, 17/08/2005, Opinião, p. 7

Falar sobre o sistema penitenciário do Brasil não exige um estudo muito profundo do assunto. É compreensível para qualquer pessoa que a ociosidade nada tem a ver com a ressocialização ou a reabilitação de um cidadão que cometeu um delito. Manter homens e mulheres em presídios com celas superlotadas, com uma infra-estrutura aquém da dignidade, só serve de estímulo à revolta e à rebeldia daqueles que um dia transgrediram as leis que regem nossa sociedade. Colocá-los para produzir é a alternativa mais adequada para conscientizá-los de que há um outro caminho para uma vida com dignidade e cidadania.

Sabemos que uma das principais causas de tanto crime é a certeza da impunidade, fato que talvez explique a audácia de bandidos e o excesso de desvio do dinheiro público. Além disso, os criminosos carregam a certeza de que, se capturados, sua rotina do lado de dentro do presídio se confundirá com o dia-a-dia livre, devido às regalias e à liberdade de comunicação com o "mundo de fora". Prova disso são as inúmeras denúncias da ação dos chefões do tráfico que comandam seus negócios de dentro da penitenciária.

Infelizmente, nosso sistema penitenciário é precário e repleto de falhas, inclusive humanas. Chegamos ao absurdo de bandidos não temerem mais a prisão, lugar que funciona muito mais como "escritório do narcotráfico" do que de punição e correção. Mais do que juntar infratores num mesmo espaço físico, é preciso dar-lhes trabalho em lugar de mordomias, onde muitos contam com TVs, DVDs, geladeiras, ventiladores, celulares, entre outros equipamentos, além de drogas.

São cerca de 300 mil pessoas vivendo amontoadas em prisões superlotadas, quando, na realidade, nós sabemos que o papel fundamental da penitenciária é punir e reeducar. Diante da Lei de Execuções Penais, que permite a empresas investirem valores devidos ao ICMS, e de um quadro alarmante de um déficit prisional de 100 mil pessoas, o que está faltando para fomentarmos o apoio de indústrias e empresas públicas para instituirmos no Brasil a filosofia de trabalho dos detentos? Afinal, os principais beneficiados seriam eles que, a cada três dias trabalhados, teriam redução de um dia de suas penas.

Seriam 300 mil presos/operários. Quanto estamos perdendo em certo tipo de ocupação/produção para o nosso país? Será que é tão difícil entender que, além deles próprios, toda a sociedade sairia ganhando? Pois, dessa forma, amenizaríamos o problema da superlotação (se não acabássemos com ele), ressocializaríamos mais infratores e, especialmente, teríamos a certeza de que os cerca de R$800 para custear cada preso estariam sendo bem empregados.

Num país que concentra uma grande população carcerária, o sistema de punição necessita priorizar a reeducação e a ressocialização. E nada melhor que o trabalho para trilhar esse caminho. Como se diz: o trabalho enobrece o homem. Definitivamente, não basta punir e prender. Acompanhar a evolução do detento pode ajudar na mudança de todo um sistema falido, implantado há anos em nosso país. Trabalhar não faz mal a ninguém. Precisamos de prisões produtivas. Chega de impunidade.

MARCOS ESPÍNOLA, advogado, é membro da Associação Internacional de Criminologia.