Título: VINÍCIUS LIMA, O INTRÉPIDO REPÓRTER
Autor:
Fonte: O Globo, 17/08/2005, O País, p. 9

Para grandes reportagens dos anos 50, jornalista se passou por presidiário e traficante

Jornalista viveu um mês na Mangueira, ficou preso 44 dias na Penitenciária Central e se envolveu no comércio de maconha para realizar séries de reportagens que lhe deram fama nos anos 50

Nos anos 50, era praxe a maior parte das notícias e reportagens não serem assinadas. No entanto, naqueles tempos o nome de um jornalista passou a ficar conhecido do público do GLOBO. Vinícius Lima em tudo lembrava os repórteres celebrados por filmes de Hollywood: não se satisfazia apenas com o que lhe contavam em entrevistas, gostava de investigar histórias como um detetive de filme noir, muitas vezes se disfarçando para freqüentar ambientes mais perigosos.

Lima começou a ficar conhecido do leitor em 1951, quando O GLOBO publicou "Eu voltei do inferno!", uma série de reportagens em que contou os 44 dias em que se passou por preso político dentro da Penitenciária Central (Frei Caneca). O repórter dos disfarces revelou ao país "as masmorras da Polícia Central, onde tantos detidos são tratados de maneira desumana, no presídio, com dois mil criminosos de toda espécie, onde tantos homens passam a condições de feras".

No estilo dramático que marcava suas reportagens, Lima contou o calvário vivido dentro dos muros da Frei Caneca: "No meu corpo ainda estão as marcas dos cassetetes policiais, nos meus ouvidos ainda soam as palavras duras dos investigadores, aos meus olhos ainda acodem visões de terror e degradação".

Outra das famosas reportagens de Lima foi a sua experiência de passar um mês disfarçado vivendo numa favela. Ele percorreu os principais morros cariocas à procura de um barraco para morar. Acabou alugando um na Mangueira.

"Tive de ser doente como eles e adotar-lhes os hábitos e os sofrimentos, para melhor dar uma impressão aos leitores do GLOBO do que se passa nos arquipélagos da miséria do Rio de Janeiro, bem perto de onde correm os últimos modelos de automóveis e se processa a agitação febricitante da cidade, do Rio que se diverte, do Rio que trabalha, do Rio que sonha, a dois passos do Rio que sofre...", escreveu o repórter na abertura da série de reportagens intitulada "Fui a outro inferno", em 7 de janeiro de 1952.

A miséria, o constante perigo dos desabamentos e o convívio com malandros levaram o jornalista a questionar sambas que louvavam a vida na favela: "infelizmente o morro lírico, romantizado pelos autores da música popular, não existe. A realidade é diferente, tem compassos de marcha fúnebre e dói como um espinho na carne".

Em 1956, a reportagem que lhe valeria a menção honrosa no Prêmio Esso de 1957: "O GLOBO devassa o mercado maldito da maconha". Barba desgrenhada, cigarro sempre no canto da boca, chapéu e camisa de peito aberto - a sua versão do que era um "malandro e maconheiro" - Vinicius Lima adotou o nome de Sinistro e foi "investigar os bastidores do vício e do seu comércio renegado". Durante a reportagem, percorreu cinco mil quilômetros de avião, experimentou a droga ("uma decepção"), comprou e transportou quilos da erva, freqüentou bocas-de-fumo. Ele chegou até a fotografar áreas onde dois deputados viciados mantinham plantações proibidas. Atualmente, de acordo com o seu Manual de Redação, O GLOBO não comete nenhum tipo de ação ilegal na apuração de suas reportagens.

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Legenda da foto: VINÍCIUS LIMA mostra a um colega do GLOBO a maconha que comprou durante reportagem sobre o mercado da droga. Para o trabalho, ele mudou de roupas e adotou o nome de Sinistro