Título: LAMAS RI MUITO, CHORA UM POUCO E NADA REVELA
Autor: Isabel Braga/Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 17/08/2005, O País, p. 8

Ex-tesoureiro do PL vai às lágrimas ao falar da saudade do fundador do partido, Álvaro Valle

BRASÍLIA. Em um depoimento marcado por seguidos ataques de riso, choro, sentidas recordações do ex-presidente do PL Álvaro Valle e quase nenhuma novidade, o ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas irritou ontem integrantes da CPI do Mensalão. Ele confirmou ter feito inúmeros saques nas contas do empresário Marcos Valério, mas disse que apenas cumpriu ordens do presidente do partido, o ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP), e que não sabe o que foi feito com o dinheiro.

Lamas encabeça a lista de sacadores divulgada por Valério, sendo responsável pelo menos pela retirada de R$1,3 milhão. Aparentando nervosismo no início, suas mãos tremiam ao remexer papéis sobre a mesa. Ele começou chorando ao falar de ameaças que recebeu e do receio de que sua família seja vítima de violência, agora que seu nome está associado ao escândalo do mensalão e seu patrimônio ganhou notoriedade. Mas logo em seguida surpreendeu os parlamentares ao dar largas risadas, dez vezes.

"Não podia ser carne, não podia ser pão"

Lamas confirmou ter ido mais de uma vez à sede da agência SMP&B Comunicação, em Belo Horizonte, de onde levou envelopes com cheques para Valdemar Costa Neto. O próprio Valdemar revelou, em entrevista à revista "Época", que os cheques totalizavam R$800 mil. O ex-tesoureiro, porém, disse acreditar que eram documentos.

Lamas disse que também buscava envelopes no Banco Rural em Brasília. O relator, Ibrahim Abi-Ackel, perguntou se o ex-tesoureiro não sabia que dentro havia dinheiro. Lamas caiu na gargalhada:

- Não podia ser carne, não podia ser pão...

Lamas voltou a rir ao contar que prestava diversos serviços como tesoureiro do PL, cargo que deixou em fevereiro

- Eu fazia de tudo - disse ele, tendo novo ataque de riso.

Lamas reafirmou, conforme já dissera à PF, que o dinheiro sacado faria parte de um acerto entre o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e Valdemar, para pagar despesas da campanha de 2002. Ele disse que, como um soldado, cumpria as ordens de Valdemar:

- Disciplinadamente como um militar - afirmou.

A atitude de Lamas irritou os parlamentares.

- É um depoimento atípico: uma sessão de risos eufóricos. Ou o senhor está sendo 100% verdadeiro no que diz ou é completamente frio e calculista. Não sei se o que prevalece é a frase: "Rico ri à toa" - disse o deputado Vladmir Costa (PMDB-PA).

Lamas começou a chorar ao falar do fundador e ex-presidente do PL, Álvaro Valle, de quem herdou uma mansão no Lago Sul, em Brasília, e 80 livros. Lamas disse ter cuidado de Valle, que teve câncer e morreu em 2000. Sempre emocionado ao falar do fundador do PL, o ex-tesoureiro levou ao plenário da CPI dois livros que eram os preferidos de Valle: "Os lusíadas", de Camões, e a obra do poeta português Fernando Pessoa.

Lamas já havia chorado ao falar de ameaças apócrifas que teria recebido após depor à Polícia Federal este mês.

Legenda da foto: JACINTO LAMAS ao depor na CPI do Mensalão: herdeiro de Álvaro Valle, ele ganhou casa em Brasília deixada pelo deputado carioca