Título: Longa hemorragia
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/08/2005, O Globo, p. 2

Murchou o balão do impeachment. Se o PFL tiver uma chance de afastar Lula do cargo, com o surgimento de uma nova situação jurídica ou política, não a perderá. Os tucanos irão atrás, desde que não tenham de puxar o gatilho. Matador não ganha, eles sabem. O que se prenuncia agora é o contínuo sangramento do governo, a realimentação da crise por novas denúncias, a supressão das chances de reeleição do presidente e o esforço cotidiano para manter a economia preservada.

Esta é a conclusão propiciada tanto pelas conversas com a oposição, depois da reunião de anteontem, como pelas avaliações de governistas nada aliviados. Os agentes econômicos também vão trocando a incerteza pela intranquilizadora certeza colhida por seus consultores políticos: as chances de impeachment ficaram mais remotas mas isso não significará o arrefecimento da crise política e sim uma penosa travessia. Nela, dificilmente o governo retomará o controle sobre a agenda parlamentar, aprovando por exemplo os aspectos regulatórios em pauta ou a reforma tributária pendente.

Além do recuo da oposição, contribuiu também para a distensão do ambiente no Congresso o discurso do senador José Sarney, um dos poucos oradores que se faz ouvir em silêncio pela Casa. Fez uma vigorosa defesa do presidente, condenou qualquer tentativa de afastá-lo e apresentou sugestões para as reformas políticas que terão de ser realizadas.

A sangria, entretanto, seguirá seu curso. A oposição mantém o discurso de que há as condições jurídicas mas não as políticas para o impedimento. Haveriam provas mas não haveria povo para sustentar a iniciativa do Congresso. Rodrigo Maia, líder do PFL, acrescenta outra justificativa. Os juristas consultados pelo presidente do PFL, Jorge Bornhausen, teriam apontado a existência de condições jurídicas - acusações sólidas de crime de responsabilidade contra o presidente - mas teriam dito que o pedido de impeachment só pode partir da sociedade civil, coletiva ou individualmente. Alguns indivíduos já apresentaram requerimentos à Câmara, que já foram ou serão rejeitados por Severino Cavalcanti. Lembra o líder pefelista que foram o presidente da OAB, Marcelo Lavenãre, e o da ABI, Barbosa Lima Sobrinho, que encabeçaram o pedido de processo contra Collor, entregue ao então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, que o recebeu com a frase: "O que o povo quer esta Casa acaba querendo". Não seria entretanto difícil encontrar patrocinadores se houvesse agora aquele consenso das ruas de 1992. O que se viu ontem foi uma manifestação contra a corrupção, mas de apoio a Lula, promovida pela Une e outros movimentos sociais. Amanhã ocorrerá outra, pelo afastamento de Lula, confirmando o dissenso.

Para o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a oposição usa um sofisma quando diz que há condições jurídicas mas não políticas. No fundo, isso significaria dizer que, embora constatando um crime, o Congresso não se anima a aplicar a lei quando as ruas não clamam por isso.

- A verdade é que não existem condições jurídicas nem políticas para se falar em impeachment, embora a oposição saiba que a mera menção à palavra já seja danosa.

Aos danos já acumulados a oposição pretende ir juntando outros, derivados da sangria continuada, das investigações que não têm limites nem prazo para terminar. Aos membros da CPI dos Correios, o doleiro preso Toninho da Barcelona apresentou aperitivos em busca de uma delação premiada. Alvejou Dirceu e outros feridos e também o ministro da Justiça, acusando-o de ter feito operações externas irregulares. Os membros da CPI deram ampla divulgação ao que ouviram, embora o ministro já tenha informado, mais de uma vez, que fez investimentos legais no exterior em 1995, repatriando os recursos em 2002, antes de assumir o ministério. Pagou mais de R$1 milhão de impostos e entregou a uma banco gestor todo os seus recursos, desfazendo-se também o escritório de advocacia. Mas foi sangrado.