Título: ENCONTRO REVELA ORIGENS DE GRANDES REPORTAGENS
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Fonte: O Globo, 18/08/2005, Rio, p. 16

Em debate no GLOBO, cinco jornalistas falam sobre dificuldades, cuidados e curiosidades no trabalho de apuração

A partir de uma carta anônima, repórteres do GLOBO iniciaram uma série de reportagens que ganharia o Prêmio Esso 2001, mostrando o enriquecimento de diretores da Legião da Boa Vontade (LBV). Em outro caso, um jornalista foi alertado por um telefonema, no meio da noite, indicando onde estava PC Farias. Histórias curiosas como essas marcaram anteontem o encontro "Bastidores das grandes reportagens", em comemoração aos 80 anos do GLOBO.

O debate, mediado pelo editor-executivo do GLOBO Ascânio Seleme, foi realizado no auditório do jornal. Reuniu três repórteres premiados do GLOBO e o jornalista e apresentador da TV Globo Pedro Bial. Durante duas horas, eles discutiram as dificuldades para apurar grandes reportagens, responderam às perguntas da platéia e deram também uma aula de como o levantamento detalhado de informações pode se transformar em histórias que mudam a sociedade.

Centenas de informações analisadas para reportagem

Angelina Nunes, da Editoria Rio, explicou como ela e mais seis repórteres, durante quatro meses, analisaram cerca de 800 documentos indicando o crescimento patrimonial de mais de 113 deputados estaduais:

- Cruzamos centenas de informações, até descobrirmos que 27 deputados tinham conseguido aumentar o patrimônio em mais de 100% entre 1996 e 2001. Tivemos tanto cuidado na apuração, que nos preocupamos inclusive em checar se havia homônimos.

Além de atenção, é preciso também um pouco de sorte. Pedro Bial lembrou o telefonema feito por pessoa ligada a PC Farias ao escritório da TV Globo em Londres, nos anos 90. A emissora conseguiu então uma entrevista exclusiva com o ex-tesoureiro do presidente Collor.

Bial falou também dos momentos tensos quando cobriu a guerra da Bósnia. Ele contou que, em Sarajevo, após a morte de vários jornalistas, equipes de televisão se reuniram e decidiram trabalhar em conjunto, para evitar que outros colegas fossem assassinados. Somente após o acordo, as direções das emissoras foram informadas:

- Acertamos que cada equipe que conseguisse uma imagem distribuiria esse material para os outros jornalistas. Foi uma forma que encontramos de diminuir os riscos da cobertura - contou Bial.

Respondendo à pergunta de um espectador sobre o medo de trabalhar numa zona conflagrada, ele explicou que é justamente esse sentimento que ajuda o jornalista a saber seus limites.

Os debatedores lembraram também o jornalista Tim Lopes, morto por traficantes em 2002, durante uma reportagem sobre a venda de drogas e a exploração de menores em bailes funk. Após a morte de Tim, vários procedimentos de segurança passaram a fazer parte do dia-a-dia das redações.

Para Antônio Werneck, repórter da Editoria Rio, que cobre segurança pública, o perfil dos criminosos no Rio mudou muito nos últimos 20 anos. Ele contou que, numa noite, recebeu uma ligação de uma colega da sucursal do GLOBO em Brasília, informando que o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, então escondido na Colômbia, queria falar com o jornalista. Segundo Werneck, o traficante queria dar uma entrevista e para isso recorria a um sofisticado sistema de comunicação, que poderia ser usado em qualquer parte do mundo.

- Fiquei surpreso com a atitude do traficante e só depois descobri que ele usou um equipamento que eu só tinha visto em Moçambique. Isso mostra como os criminosos estão bem aparelhados - contou o jornalista.

Ascânio Seleme acredita que, nas últimas décadas, a relação dos jornalistas com suas fontes ligadas à segurança no Rio vem passando por uma transformação, que deu mais independência aos veículos de comunicação:

- Houve uma mudança fundamental. A postura dos profissionais hoje em dia é muito mais ética e independente.

'Hoje, o furo jornalístico não dura mais que 5 minutos'

O público quis saber também como a concorrência pode afetar a elaboração de grandes reportagens. Chico Otávio, da Editoria Nacional, relatou a experiência que teve recentemente na cobertura da CPI dos Correios, em Brasília. Ele observou que a rapidez das novas tecnologias de comunicação tem alterado o trabalho dos repórteres, que são obrigados a atualizar constantemente as informações para fazer o jornal do dia seguinte.

- Nunca vi tantos jornalistas num único lugar (Brasília). Numa situação dessa, a reportagem exclusiva é sempre mais difícil de ser feita. Hoje, o furo jornalístico não dura mais que cinco minutos - afirmou Chico Otávio.

O jornalista disse ainda que atualmente a indústria dos processos contra empresas de comunicação é um mecanismo que os réus utilizam para tentar inibir o trabalho dos repórteres. O encontro no GLOBO foi patrocinado pela Fecomércio e pela Brasil Telecom.

'Cada equipe que conseguisse uma imagem distribuiria o material para os outros'

Pedro Bial - Jornalista da TV Globo

'Tivemos tanto cuidado na apuração que nos preocupamos em checar se havia homônimos'

Angelina Nunes - Jornalista da Editoria Rio

'A postura dos profissionais de imprensa hoje em dia é muito mais ética e independente'

Ascânio Seleme - Editor Executivo

'Hoje (com a nova tecnologia) o furo jornalístico não dura mais que cinco minutos'

Chico Otávio - Jornalista Editoria Nacional

'Ele (o traficante Beira-Mar) usou um equipamento que só tinha visto em Moçambique'

Antônio Werneck - Jornalista Editoria Rio

Legenda da foto: PEDRO BIAL (à esquerda), Angelina Nunes, Ascânio Seleme, Chico Otávio e Antônio Werneck participam do encontro no auditório do GLOBO