Título: GASTOS SOB SUSPEITA
Autor: Carla Rocha/Dimmi Amora
Fonte: O Globo, 18/08/2005, Rio, p. 14

Deputados pedem ao MP e ao TCE que investiguem uso de verba do Fundo de Pobreza

Os deputados estaduais Alessandro Molon (PT) e Luiz Paulo Correa da Rocha (PSDB) entraram ontem com representações no Ministério Público Estadual e no Tribunal de Contas do Estado (TCE) pedindo que sejam investigadas as despesas do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECP) em 2004, quando foram arrecadados 1,8 bilhão. Conforme levantamento publicado ontem pelo GLOBO, o fundo pagou despesas com compra de bonés, camisetas, aparelhos de ar-condicionado, de GPS, computadores portáteis e até um serviço de bufê.

Para Molon, as explicações não são suficientes porque os gastos registrados pelo Sistema de Acompanhamento Financeiro (Siafem) não são compatíveis com o que determina a lei que criou o fundo:

- Entendo que houve ato de improbidade administrativa.

Ontem, repórteres constataram que outra fornecedora, que recebeu recursos do FECP nunca funcionou no endereço declarado à Receita Federal. A Stolt Rio Comércio e Serviços de Ar-Condicionado teria sede em Belford Roxo, mas no lugar onde hoje funciona uma clínica de pediatria. A médica Eliane Soares Cunha, dona do prédio, afirmou que há algum tempo está preocupada porque fez um contrato de locação com o dono da empresa que desapareceu, nunca ocupou a sala ou lhe fez qualquer pagamento.

- Já recebemos até oficial de Justiça aqui e até já pensei em procurar uma delegacia. Não sei mais o que fazer - afirmou.

Secretário diz que GPS é necessário

De acordo com pelo menos uma ordem de pagamento obtida pelo GLOBO, a Stolt recebeu R$3.975 do Fundo de Combate à Pobreza. A despesa foi paga pela Secretaria estadual de Agricultura, Abastecimento e Pesca.

Ontem à tarde, o secretário da pasta, que fez a maior parte dos pagamentos investigados, Cristino Áureo, disse que foi à Comissão de Orçamento espontaneamente para explicar as despesas. Ele afirmou que a empresa Galardão - que recebeu do FECP R$44.571 pelo fornecimento de 26.800 camisetas para sua pasta e 3.500 bonés - não foi encontrada porque havia mudado de endereço, mas continua a ter sede em Teresópolis. Segundo o secretário, o material é entregue a agricultores nos cursos de capacitação em projetos voltados para a área social, como o Florescer e o Prosperar. Segundo ele, cerca de 12 mil pessoas já fizeram os cursos, mas não soube precisar quantos estão em treinamento hoje:

- No momento não sei quantos estão em sala de aula. Mas há cursos em todo o estado.

O endereço da Galardão revela que a empresa, na verdade, é uma papelaria, embora tenha fornecido camisetas e bonés. Segundo a dona, Márcia Padrão, a empresa costuma participar de licitações públicas e, depois, terceirizar o serviço. Ela disse, inclusive, que forneceu mais peças, mas que ainda não recebeu do estado.

Sobre o aparelho de GPS comprado, que custou R$2.800, o secretário explicou que são duas unidades usadas no cadastramento das propriedades rurais, que chegam a 65 mil no Rio. A empresa Sightgps, que forneceu o GPS, não encontrou ontem a nota fiscal referente ao negócio.

- Quero deixar claro que a aquisição de um GPS não devia causar estranheza. Muitas vezes, os donos das propriedades rurais e os agricultores estão em áreas carentes, de grande exclusão social. Todo mundo critica o assistencialismo nas ações sociais. Isso representa a sofisticação dos programas de combate à pobreza - disse o secretário.

O secretário não foi localizado ontem, até o fim da noite, para explicar o fato de a Stolt não funcionar no endereço declarado. A assessoria de imprensa do governo disse que a empresa Delicadíssimo Coquetéis, que recebeu R$7.920 de verba do fundo repassada pelo tesouro, não foi localizada porque mudou do Morro do Dendê para o Zumbi, também na Ilha do Governador. Em vez de lanche para agentes de saúde, a versão para o fornecimento mudou: a empresa teria servido um brunch (café da manhã reforçado) para 400 médicos durante seminário no Hospital dos Servidores.

Ontem, apesar dos votos contrários de deputados da oposição, que apontaram problemas no FECP e nos gastos na área de saúde, a Comissão de Orçamento e Finanças da Alerj, na qual o governo tem maioria, aprovou as contas da execução orçamentária do estado referentes a 2004. Na prática, a votação seguiu o parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que já havia aprovado as contas, com algumas ressalvas. Agora o projeto vai a plenário, quando será submetido à apreciação de todos os deputados.

Durante a reunião, três deputados da oposição criticaram duramente os gastos feitos com o dinheiro do fundo. Os quatro deputados da situação que votaram a favor das contas não se pronuciaram. O relatório do presidente da Comissão, Edson Albertassi (PSB), foi simples e dizia apenas que acompanhava o que o TCE já havia decidido.

- Infelizmente, a lei do fundo foi modificada e permite muitas despesas. Mas não cabe à comissão de orçamento discutir isso - alegou.

Governo diz que gastou no social

Segundo o deputado Luiz Paulo, o governo ainda não conseguiu comprovar como gastou cerca de R$1,2 bilhão do que foi arrecado pelo FECP. Isso aconteceu porque os recursos foram unificados com os do tesouro por um decreto de janeiro de 2005, com validade retroativa ao ano anterior. A mudança comprometeu a transparência porque impede que seja feito um acompanhamento das despesas pelo Siafem. Na época da unificação, o estado havia gastado R$670 milhões do orçamento do fundo.

- O governo unificou porque não tinha como comprovar que havia gastado o dinheiro de acordo com a lei. Pagaram até funcionários públicos já contratados - disse o deputado Luiz Paulo.

Em seu relatório, os conselheiros do TCE determinam que o governo separe as despesas do fundo das do tesouro. E exigem ainda uma inspeção nos gastos do fundo. O governo do estado informou, através de sua assessoria de imprensa, que todo o recurso arrecadado foi gasto na área social. A assessoria do governo alegou ainda que, a pedido do TCE, enviou à Comissão de Orçamento um relatório detalhado das despesas do fundo tanto de 2004 quanto dos primeiros meses deste ano.

Conselho Gestor nunca se reuniu

Representantes de entidades da sociedade civil não foram chamados

O aparelho de GPS comprado pela Secretaria de Agricultura com dinheiro do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECP) bem que poderia tentar ajudar a localizar onde aconteceu a última reunião de seu Conselho Gestor. Entidades que têm vaga no conselho disseram que jamais tiveram informação sobre esses encontros, que segundo a lei deveriam ser mensais. O conselho seria formado por seis secretários de estado e representantes de seis entidades (Firjan, Fecomércio, ABI, OAB, Faerj e Ação da Cidadania) e teria atribuições de acompanhar e fiscalizar a arrecadação e os gastos do FECP.

Segundo o presidente da ABI, Maurício Azedo, em 17 meses ele jamais foi informado que haveria reunião do conselho. De acordo com ele, a entidade sequer foi informada de que deveria enviar um representante. Outras duas entidades confirmaram que jamais foram convidados para reuniões.

O conselho também deveria publicar mensalmente o balanço do gastos e receitas do Fundo. Mas, segundo o relatório de contas de gestão do TCE, desde outubro do ano passado este documento não é publicado. A assessoria da Secretaria de Finanças informou que os relatórios foram publicados de forma consolidada, mas que, em seguida, foram abertos para análise do tribunal.

INCLUI QUADRO: SAIBA MAIS SOBRE OS RECURSOS