Título: Caldeirão de soluções
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 18/08/2005, O Globo, p. 2

Na profusão de receitas e poções para conter a corrupção derivada da financeirização das campanhas, exige muita atenção a emenda que dilata o prazo para alterações da legislação eleitoral. Ele foi fixado pelos constituintes em pelo menos um ano antes da data do pleito seguinte para evitar casuísmos, alterações de última hora destinadas a enquadrar o livre exercício do voto.

A ditadura, por exemplo, baixou a Lei Falcão em junho de 1976, a dois meses do início da campanha. O pacote de abril veio quatro meses antes e o voto vinculado para as eleições de novembro de 1982 foi aprovado em janeiro, fulminando o PP de Tancredo Neves. O artigo 16 da atual Constituição foi uma barragem contra a volta desses expedientes. A emenda do deputado Lei Ney Lopes, que começou a receber tantos apoios, dispensa esta exigência com o objetivo de dar mais prazo ao Congresso para aprovar a reforma política em curso na Câmara e/ou o projeto do senador Jorge Bornhausen, alterando as regras para a produção das campanhas eleitorais. Será mesmo impossível, no ambiente atual, aprovar uma coisa ou outra até o final de setembro. Mas os que já provaram dos casuísmos têm uma obrigação: garantir a dilatação do prazo excepcionalmente agora, para as eleições do ano que vem, preservando artigo 16 como barreira perene contra a manipulação das regras.

Ontem os líderes na Câmara acertaram uma agenda de votações desta natureza com o presidente da Casa, Severino Cavalcanti. Votarão em primeiro lugar um singelo projeto de resolução - que já poderia estar em vigor há tanto tempo - estabelecendo que a bancada que vale é que a saiu das urnas. Se um partido engordar, isso não afetará seu tempo de televisão, seus espaços na Mesa, seu quinhão do fundo partidário ou o número de comissões que pode presidir. Se tal respeito à vontade do eleitor já vigorasse, não teria ocorrido o inchaço do PSDB no governo passado, e no atual a anabolização do PL e do PP. O fluxo do valerioduto oferece mais indícios de que houve suborno para engordar partidos do que pagamento de mensalão, nos termos de Roberto Jefferson, embora isso não altere o delito ético.

Depois, os deputados votarão a emenda que acaba com a verticalização das coligações. Será uma anti-reforma. O TSE impôs a regra em 2002 faltando menos de oito meses para a eleição e isso foi, na época, um casuísmo. Sua essência, entretanto, induz à maior coerência das alianças. Agora, entretanto, a derrubada da regra parece inevitável. Os partidos querem liberdade de coligação na eleição geral de 2006, sobretudo agora, quando não sabem quantos e quais serão os candidatos a presidente. Se Lula ainda fosse um sólido candidato à reeleição, poderia evitá-la, amarrando seus aliados. Agora, não tem força para isso.

O terceiro ponto será a reforma política propriamente dita. Por mais complexa, dificilmente será votada este ano, mesmo com maior folga no calendário constitucional. Prevê a adoção do voto em lista e do financiamento de campanhas em 2010. Para 2006, reduz de 5% para 2% a cláusula de barreira, admite a federação de partidos e tenta inibir o troca-troca partidário.

Por fim, a Câmara votaria o projeto de Bornhausen, que tramita no Senado. Trata ele de simplificar as campanhas, proibindo o uso de cenas externas na televisão, os showmícios e a distribuição de brindes. Fixa ainda limites para as doações financeiras de pessoas físicas e jurídicas. Mas boa parte destas mudanças o TSE pode fazer por resolução. E, segundo o presidente do Senado, Renan Calheiros, já teria se antecipado ao regulamentar a campanha do referendo ao Estatuto do Desarmamento.

- Será uma pena a proibição pois a campanha televisiva do "sim" será produzida, inteiramente de graça, por um cineasta da grandeza do Walter Salles Júnior, que se ofereceu para a tarefa - diz Renan.

Agora ou mais tarde, a desglamourização das campanhas reduzirá o desespero dos partidos por dinheiro para pagar marqueteiros. O deputado petista Paulo Delgado continua dizendo que a perdição do PT começou com a contratação de Duda Mendonça, "a preços de Maluf".