Título: OPÇÃO CONSERVADORA. DE NOVO
Autor: Aguinaldo Novo/Ênio Vieira/Vagner Ricardo
Fonte: O Globo, 18/08/2005, Economia, p. 21

BC mantém Selic em 19,75% ao ano pelo 3º mês seguido, apesar de inflação em queda

A inflação em queda segundo todos os índices que medem a variação dos preços e a atividade econômica em lenta recuperação não foram motivos suficientes para o Banco Central (BC) reduzir os juros básicos da economia, após 12 meses de alta e manutenção da Taxa Selic. O Comitê de Política Monetária (Copom) preferiu ontem manter a estratégia cautelosa e segurar pelo terceiro mês consecutivo a Selic em 19,75% ao ano.

Em curta nota oficial, os diretores do BC não deram qualquer detalhe de sua decisão, que será explicada na ata da reunião a ser divulgada na quinta-feira da próxima semana.

"Avaliando as perspectivas para a trajetória da inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a Taxa Selic em 19,75% ao ano, sem viés", diz a nota do Copom.

Como não indicou uma tendência (viés), o comitê só decidirá a próxima taxa de juros na reunião dos dias 13 e 14 de setembro.

A decisão não chegou a surpreender os analistas de mercado - que, há mais de três semanas, apostavam em queda até 0,5 ponto percentual dos juros básicos somente a partir do próximo mês, na pesquisa semanal Focus, do BC. Mas muitos ainda acreditavam que os baixíssimos índices de inflação levariam à redução já este mês. A estimativa do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em queda há 13 semanas, está em 5,4% para 2005, próxima da meta de 5,1% do BC.

Na segunda semana de agosto, o IPC-S (índice que mede semanalmente a inflação dos últimos 30 dias) registrou deflação, de 0,20%. O índice caiu nas sete maiores capitais do país, e em quatro, houve taxa negativa. O principal motivo para o recuo do IPC-S foram a queda no preço dos alimentos e a desaceleração dos preços de habitação.

Economistas: taxa já poderia ter caído

O economista Ricardo Martins, da corretora Concórdia, afirma que o Copom optou pela manutenção da taxa porque surgiram riscos com a alta do petróleo no mercado internacional e com a volatilidade causada pela crise política. Guilherme Maia, economista da consultoria Tendências, concorda e diz que BC preferiu também aguardar outros indicadores, como o PIB do segundo trimestre, que deve ser divulgado este mês pelo IBGE, adiando para setembro o início da queda da taxa básica.

- Um corte de 0,25 ponto percentual não atrapalharia a conversão da inflação para a meta perseguida pelo BC, de 5,1% para o IPCA deste ano, desde que o câmbio permanecesse na atual faixa, de R$2,30, e não houvesse reajuste dos preços dos combustíveis - comentou Maia.

O preço do petróleo subiu cerca de 10% desde a reunião do Copom de julho, o que representa uma ameaça de aumento da gasolina. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) já avaliou que existe uma defasagem de cerca de 30% entre os preços internacionais e os domésticos. Este mês, barril chegou bater o recorde histórico de US$66.

Ontem, os preços internacionais do petróleo recuaram ontem pelo terceiro dia seguido, em meio a sinais de que os custos da commodity já começaram a afetar a economia dos EUA e poderiam reduzir a demanda. Em Nova York, o barril do leve americano recuou 4,3%, para US$63,25. Em Londres, o Brent caiu 4%, a US$62,56.

De acordo com o professor da USP Joaquim Eloi Cirne de Toledo, a manutenção da Selic compromete o desempenho da economia nos primeiros meses de 2006. E afeta ainda a taxa de investimento, em declínio por não suportar juros reais tão elevados por tanto tempo:

- Nas suas últimas atas, o Copom tem repetido que manterá a Selic inalterada por algum tempo antes de iniciar o ciclo de queda. Portanto, era pouco provável que baixasse em dois ou três meses. Mas o atraso na queda da Selic afeta cada vez mais o desempenho da economia do primeiro trimestre do próximo ano.

A decisão também não foi bem recebida pelo setor produtivo, e as críticas uniram empresários e sindicalistas. A CUT, que apóia o governo Lula, chegou a pedir a demissão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

- Novamente, o Copom toma uma decisão contra o desenvolvimento do país e a favor do desemprego. Somente o sistema financeiro é beneficiado por essa política de juros altos. O presidente da República deveria demitir o presidente do BC - disse o presidente da entidade, João Felício.

Também para o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, só o mercado financeiro é favorecido:

- A continuar com este programa voltado para a especulação, vamos ter um ano com recorde de lucro para os bancos e especuladores.

Para o diretor do Departamento de Economia do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Boris Tabacof, a manutenção da Selic "condena o Brasil a um crescimento medíocre" e não contribui para blindar a economia da crise política. O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, disse que o país continua um "obstinado campeão dos juros altos".

- É intolerável a teimosia do Copom em manter a escalada dos juros, elevando a extremos a frustração e desrespeitando a inteligência dos brasileiros com explicações que não convencem - criticou Skaf.

A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) foi outra a afirmar que a queda das projeções de inflação, indicando convergência para as metas em 2005 e em 2006, dava condições técnicas para o início da redução da Selic. Para a entidade, a manutenção é "ilógica" e "trará conseqüências negativas para o país, impondo custos fiscais elevados e menor crescimento a médio prazo".

Dólar cai 0,13% e Bolsa sobe 1,24%

Orlando Diniz, presidente da Fecomércio-RJ, avalia que já seria possível uma redução de 0,5 ponto percentual na taxa básica:

- A manutenção da Selic demonstra um cuidado excessivo do Copom e emperra a engrenagem do setor de comércio de bens e serviços.

A expectativa em relação à decisão do Copom, anunciada após o fechamento dos mercados, foi um dos principais fatores considerados pelos investidores ontem, junto com a queda das cotações do petróleo e do dólar. A Bolsa de Valores de São Paulo teve alta de 1,24% e o dólar fechou a R$2,354, em queda de 0,13%. O risco-país caiu 1,49%, para 397 pontos centesimais.

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