Título: Delúbio: PT pagou por apoio a Lula no 2º turno
Autor: Isabel Braga
Fonte: O Globo, 19/08/2005, O País, p. 8

Repasse feito por Marcos Valério a ex-assessor de Ciro Gomes teria sido para pagar gastos de programa de TV

BRASÍLIA. Pressionado, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares acabou admitindo que o PT pagou por apoio à campanha presidencial de 2002 no segundo turno. Em depoimento ontem à CPI do Mensalão, disse que os R$457 mil que teriam sido sacados das contas de Marcos Valério de Souza pelo ex-secretário executivo de Ciro Gomes no Ministério da Integração, Márcio Lacerda, pagaram serviços de TV do segundo turno da campanha do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo Delúbio, o dinheiro foi usado para pagar ao publicitário Einhart Jacome Paz, da empresa New Trade - sublocada por Duda Mendonça no segundo turno. Einhart recebeu por imagens de Ciro Gomes (derrotado no primeiro turno e que apoiou Lula depois), usadas no segundo turno das eleições.

Delúbio surpreendeu os parlamentares da CPI ao comentar o discurso de Lula de que se considera traído e afirmar, de forma enigmática, que não pretende delatar ninguém:

- Sou uma pessoa fiel e quero dizer uma coisa à CPI: não costumo delatar ninguém e nem questionar a opinião das pessoas. Não me sinto traidor, não incorporo isso.

O deputado Júlio Redecker (PSDB-RS) inquiriu Delúbio sobre o pagamento ao assessor de Ciro. Redecker falava do saque e Delúbio dizia que não podia precisar os valores. O deputado insistiu em saber se o dinheiro foi dado para a campanha de Ciro ou a de Lula. Delúbio disse que o dinheiro era para Einhart:

- O Einhart, junto com o Duda Mendonça, prestou um serviço e fez a cobrança e depois foi pago.

- Para quem era o pagamento, para Lula ou para Ciro? - insistiu Redecker.

- Para o Einhart. Ele trabalhou paralelamente ali com o Duda para fazer as imagens do Ciro no segundo turno.

- Ciro não concorreu no segundo turno - disse Redecker.

- Mas teve gravação de programa de televisão, toda a equipe, desmontar equipe - disse Delúbio.

- Então foi para a campanha do Lula, porque se foi pra pagar imagem da participação, então é para a campanha do Lula - finalizou Redecker.

O presidente da comissão, senador Amir Lando (PMDB-RO), interrompeu para tentar esclarecer e Delúbio acabou confirmando que foi para a campanha de Lula:

- O que o senhor quer dizer é que foi para o senhor Ciro pagar as despesas da campanha para presidente.

- Em segundo turno - completou Delúbio.

Acordo com PL é confirmado

O ex-tesoureiro do PT confirmou as informações do presidente do PL, o ex-deputado federal Valdemar Costa Neto, sobre reunião em que acertara repasse financeiro ao partido em 2002. Segundo Delúbio, ele e Valdemar se reuniram no apartamento do deputado Paulo Rocha (PT-PA):

- Acordamos que 25% do que seria arrecadado durante a campanha eleitoral ficariam para o partido do vice-presidente. Fizemos isso em comum acordo, mas como tivemos essas dificuldades todas, não conseguimos efetivá-lo. Como a campanha nacional foi orçada em torno de R$40 milhões, na época esse percentual rondava em torno disso, R$10 milhões.

Segundo Delúbio, Lula e o vice Alencar participaram da reunião mas não da negociação financeira. Ele nomeou os integrantes dos partidos que recebiam o dinheiro do PT: pelo PL, Valdemar Costa Neto; pelo PP, José Janene (PR); pelo PMDB, José Borba (PR); e pelo PTB, José Carlos Martinez e depois Roberto Jefferson (RJ). E repetiu várias vezes que não era dinheiro público, mas sim de empréstimos feitos por meio de Marcos Valério nos bancos BMG e Rural. E que foi o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) que o apresentou a Valério.

Delúbio contou que pensou em deixar a tesouraria do partido em 2001 para, no ano seguinte, se candidatar a um cargo público. Mas Lula e outros dirigentes pediram que ele ficasse na função, logo depois da prévia do partido entre Lula e o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), vencida por Lula:

- Eu ia ser candidato em Goiás em 2002 e pretendia ser em 2006, mas agora, com esse quadro político, fica inviável. Em 2001 eu era tesoureiro do PT e ia sair para me candidatar, mas houve apelo de várias lideranças do PT para que eu ficasse.

Delúbio afirmou que nos cinco anos em que foi tesoureiro o PT nunca teve conta ou remeteu dinheiro para o exterior. Disse não ser de sua responsabilidade a transação no exterior feita por Marcos Valério para pagar Duda Mendonça:

- Não foi por orientação minha. Eu só mandei pagar.

O depoimento do ex-tesoureiro irritou os parlamentares. O relator e outros deputados acusaram-no de ser evasivo e se alongar nas respostas. Delúbio se negou até mesmo a confirmar a lista de sacadores do caixa dois apresentada por Marcos Valério. Disse não reconhecer pagamentos antes do primeiro empréstimo feito em 28 de fevereiro.

"Todo mundo sabe quanto custa uma aliança"

"Nós fizemos uma reunião em separado. Eu só tenho um reparo (à entrevista do Valdemar Costa Neto). Ele (Valdemar) acrescentou o Zé Dirceu ( na reunião feita no escritório do apartamento do Paulo Rocha). Mas éramos só eu e ele (Valdemar) que fizemos a reunião. Chegamos a um acordo que 25% ficaria para o PL de tudo que arrecadasse na campanha orçada em R$40 milhões. Na época se falava em R$10 milhões, mas só chegamos a R$36 milhões. Tivemos que pagar em 2003 e 2004 por fora. Foi um acordo eleitoral, nenhum acordo para formar base aliada"

"Não roubei. Fiz isso para a política, não aumentei meu patrimônio"

"Amigo cada um escolhe o seu. Eu gosto muito do presidente, mas quem tem que dizer que eu sou amigo dele é ele, não eu"

"O presidente (José Genoino) sabia das preocupações do partido e determinou que eu resolvesse o problema. E eu resolvi, mas ele nunca soube como. Ele sempre teve um grau de confiança muito grande em mim e eu apenas informava a ele se o problema estava resolvido ou não"

"O PT nunca lavou dinheiro, nunca mandou dinheiro para fora e nunca recebeu dinheiro de fora, nos cinco anos em que fui tesoureiro do PT, e acredito que antes disso também não. Nego essa boataria que aqui está"

"Não orientei. Sabia que foi feito o pagamento. Da forma do pagamento (conta num paraíso fiscal), fiquei sabendo no depoimento de Duda. Apenas mandei pagar. Por que vou tirar um recurso do Brasil para pagar um fornecedor fora? Esse é um acerto entre eles (Marcos Valério e Duda). Não comigo"

"Se forem confirmadas as informações de repasses ilegais de bancos públicos para partidos, como brasileiro também fico estarrecido. Enquanto cidadão brasileiro não posso permitir desvio de dinheiro público para partidos"

"Fiz reuniões em 2004 com vários tesoureiros do PT e todos relataram as dívidas não-contabilizadas, pedindo que as soluções fossem tomadas de maneira mais reservada possível. Não secreta, mas reservada. Na época o Marcos Valério foi a solução. Pode não ter sido a mais correta, mas assumi isso. Na executiva (nacional) não temos espaço para discutir isso (caixa dois)"

"Eu estou falando a verdade. Não tenho mais nada a transmitir aos senhores e à sociedade do que a verdade dos fatos. Essas são as verdades dos fatos, como eles aconteceram. A Justiça vai julgar e eu vou responder aos processos judiciais e às instituições também"

"Eu ia ser candidato em Goiás em 2002 e pretendia ser em 2006, mas agora, com esse quadro político, fica inviável. Em 2001, eu era o tesoureiro do PT e ia sair para me candidatar, mas houve um apelo de várias lideranças do PT para que eu ficasse"

DELÚBIO SOARESex-tesoureiro do PT no depoimentoà CPI do Mensalão

Legenda da foto: ...E IRRITOU parlamentares da CPI do Mensalão