Título: BLINDAGEM QUE VEM DE FORA
Autor: Paula Dias/Ênio Vieira
Fonte: O Globo, 19/08/2005, Economia, p. 23

Saldo das contas externas no 1º semestre foi recorde, alcançando US$7,8 bilhões

O superávit das contas externas, que deixa a economia brasileira mais protegida contra crises no mercado internacional e doméstico - como a crise política - foi recorde de janeiro a julho de 2005, graças ao aumento das exportações. O saldo das transações correntes (comércio exterior, viagens internacionais, pagamento de juros, remessa de lucros de empresas) no ano está positivo em US$7,876 bilhões, o que representa aumento de 27% em relação aos sete primeiros meses do ano passado. Só em julho, as contas registraram um saldo de US$2,592 bilhões, o maior valor mensal da série histórica do Banco Central, iniciada em 1947.

Para o economista Paulo Vieira da Cunha, da HSBC Securities, os números mostram queda significativa da vulnerabilidade externa existente até 2002, quando o país tinha altos déficits correntes que precisavam ser financiados anualmente. Quando havia crise externa, a partir de 1999, a oferta de crédito era interrompida e o câmbio se desvalorizava bruscamente. Com o atual superávit corrente, afirma, o país tem gordura para queimar em caso de instabilidade.

Cunha diz que o Brasil se beneficia hoje da boa conjuntura mundial, da queda na dívida externa das empresas e de um superávit comercial que pode atingir US$41 bilhões este ano. Ele assinala que estes fatores colocam o real em tendência de valorização, ainda mais empurrado para baixo pelos altos juros, que atraem investidores estrangeiros.

- O câmbio é a variável-chave do Brasil, e o mercado financeiro está calcado nele. Há uma tendência de se valorizar o real. Este movimento continuará até que seja zerado o superávit corrente - disse o economista, que espera saldo corrente de US$16 bilhões em 2005.

A gordura para queimar nas contas externas provém do acumulado das transações correntes nos últimos 12 meses: US$13,904 bilhões, ou 1,94% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todas as riquezas produzidas no país). Trata-se de um quadro distante dos déficits de US$23,215 bilhões em 2001 e US$7,637 bilhões em 2002. O principal motivo para o atual desempenho é o superávit comercial.

- A balança comercial está vindo muito acima do que esperávamos. As exportações crescem mais do que o previsto e as importações estão aquém do calculado no início do ano - afirmou o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes.

Segundo ele, as despesas com serviços também aumentaram este ano com a expansão da economia. Um dos itens mais sensíveis são as viagens internacionais. O BC tinha uma previsão de déficit de US$200 milhões para 2005, mas os números já registraram US$408 milhões negativos até julho. Com isso, Lopes projetou um déficit de US$800 milhões para este ano.

As remessas de lucros e dividendos vinham em ritmo acelerado com os ganhos de multinacionais e somaram uma média de US$1,019 bilhão mensal no primeiro semestre. Caíram para US$681 milhões em julho.

- Muitas remessas foram antecipadas no primeiro semestre, mas já há uma acomodação. A parcial em agosto está em US$520 milhões e as viagens, em US$85 milhões negativos - disse Lopes.

Vieira da Cunha avalia que só uma queda na confiança, em meio à crise política ou a um ajuste na economia americana, inverteria o quadro favorável das contas externas, provocando uma desvalorização do real. Se isso ocorrer, ele lembra que os exportadores brasileiros buscarão ainda mais o mercado externo, porque seus preços serão mais competitivos e trarão mais dólares para o país.

Sem a necessidade de financiar as contas externas, o Brasil utiliza o excedente de dólares para pagar sua dívida externa, que caiu de US$201,4 bilhões em 2004 para US$198,3 bilhões em maio passado, o menor nível desde dezembro de 1997. A dívida externa deverá cair ainda mais porque o governo pagou em julho US$4,976 bilhões antecipadamente ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Os dados positivos das contas externas não afetaram o mercado de câmbio. O dólar fechou em alta de 1,10%, a R$2,380. A variação foi reflexo principalmente da valorização do dólar frente ao euro. O risco-Brasil terminou o dia em 405 pontos centesimais, com alta de 0,75%. A Bolsa de Valores de São Paulo fechou em queda de 1,88%.

COLABOROU: Paula Dias, do Globo Online

"As exportações crescem mais do que o previsto e as importações estão aquém do calculado no início do ano"

ALTAMIR LOPES

Chefe do Departamento Econômico do Banco Central