Título: Tempo firme
Autor: Míriam Leitão/Débora Thomé
Fonte: O Globo, 19/08/2005, Economia, p. 24

O que levou o Copom a manter os juros não foi o que está escrito na lacônica nota. A trajetória de inflação - motivo dado pelo Banco Central - está muito melhor do que o imaginado. Provavelmente o BC olhou outra regra de ouro do livro texto: em momentos de volatilidade, não se mexe nos juros. A boa notícia ontem foi o superávit de US$2,5 bilhões em transações correntes.

A volatilidade tem sido provocada pela crise política. Mesmo a elevação dos preços internacionais do petróleo não pode ser considerada motivo. Os cálculos dos analistas mostram que, ainda se houver reajuste dos preços internos, não haverá descumprimento da meta. Está tudo bem com a conjuntura e ela tem surpreendido favoravelmente os economistas em cada um dos pontos de possíveis problemas. Nas próximas semanas, o mercado deve mudar - para melhor - as projeções de crescimento.

Alguém pode dizer que se o país continua crescendo é porque os juros não estão assim tão altos quanto se diz. Esse aspecto deve ser olhado do ponto de vista da chance perdida. O mundo cresce mais que nós, a América Latina cresce muito mais que nós. Estamos perdendo a onda boa. Uma das razões é o excesso de aperto da política monetária; a outra é a incapacidade gerencial do governo Lula, que não conseguiu providenciar mecanismos e regras a tempo. A terceira é esta imprevisível e profunda crise política na qual o país está mergulhado por culpa do governo e do seu partido. Mentirosos compulsivos diariamente se sucedem nas CPIs, obstruindo a solução da crise, que inevitavelmente levará à cassação de mandatos e ainda maior redução da credibilidade do governo, não interessa quantos e quão eloqüentes sejam os discursos chavistas do presidente da República.

O Banco Central do governo Lula ganhou reputação a golpes de juros cada vez mais altos. Isso inicialmente era necessário porque, diante de tudo o que o presidente disse ao longo da sua vida política, era de se esperar uma intervenção no BC. Não houve. Política monetária de César não basta ser independente, tem que parecer independente. Mas agora que já mostrou e provou sua independência, poderia relaxar e permitir o afrouxamento. Os juros reais no Brasil, em 14,12%, são quase três vezes mais altos que os do México, para citar um exemplo.

A trajetória da inflação, que, por algum mistério, ainda assusta o Banco Central, é de queda. Preços do atacado estão no quarto mês de deflação; preços ao consumidor, em queda. A expectativa de inflação para o ano-calendário caiu um ponto percentual desde abril. Caíram os índices de FGV, Fipe, IBGE; as coletas dos bancos e os núcleos. Caíram projeções para o ano, para 12 meses e para 2006. Mas, pelo visto, nada foi registrado pelo BC. Isso mostra que o governo atual, além de não ser capaz de ver as coisas erradas que faz, também não vê as boas.

Parte da queda se deve à queda da taxa de câmbio. São muitos os analistas que acham que o preço a pagar por isso será redução do saldo comercial a médio e longo prazo. O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, que acertou com grande antecedência a tendência da balança comercial, continua otimista com o desempenho das contas externas brasileiras. Para o ano que vem, projeta uma queda do nível atual do saldo para US$33 bilhões.

Após analisar os dados do mês de julho, o banco concluiu que a quantidade exportada cresceu mais do que os preços, contrariando um pouco o que muitos disseram que aconteceria: o volume exportado em geral aumentou 16%; produtos básicos, 28%, puxado pelos combustíveis; enquanto o aumento de preços foi de apenas 10% em relação a julho de 2004. "Em julho, a rentabilidade da exportação cresceu 0,4% em relação ao mês anterior, ou seja, o aumento de preço das exportações e a redução dos custos mais que compensou a apreciação cambial ocorrida", diz o boletim do banco.

O economista Octávio de Barros afirma que dificilmente ocorrerá uma deterioração dos números da balança externa brasileira causada pelo baixo nível do dólar:

- Para zerar o transações correntes, a taxa de câmbio média do ano que vem tem que ser de R$2,30. E reduzir o superávit em transações correntes seria bom porque o país tem que aumentar as importações e investir mais.

Ele quer dizer com isso que o saldo comercial teria que diminuir o suficiente para reduzir a zero o superávit de transações correntes, que está este ano no seu terceiro ano consecutivo, depois de anos de déficit.

- A demanda global não vai sofrer grandes alterações no ano que vem, o crescimento americano está até melhorando um pouquinho para 3,4% a 3,6%, estamos menos pessimistas com Europa e Japão. Num ambiente assim com tanto crescimento e liquidez, há maior complacência dos investidores internacionais até com nosso erro. Além disso, depois do caso da GM (que entrou em crise, apesar de ser considerada excelente investimento, o nível AAA) o mundo está desmistificando o triplo A - comenta.

Está tudo muito bem, mas poderia ser melhor. Até a Venezuela teve melhoria da sua classificação de risco.