Título: Acusados recorrem a ameaças
Autor: Gerson Camarotti, José Casado e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 21/08/2005, O País, p. 3

Deputados sob investigação pressionam governo, aliados e adversários para tentar escapar

Algumas ameaças são sutis. Outras, explícitas. Um clima de desconfiança, pressões e chantagens passou a dominar o Congresso. Deputados com mandatos em xeque, por envolvimento no escândalo do mensalão, mandam recados ao governo, a aliados e a adversários. Parte das mensagens, geralmente cifradas, tem sido endereçada à Presidência da República. O governo admite e reage:

¿ O governo não tem o que temer e não vai entrar nesse jogo. A ordem do presidente Lula é apurar tudo ¿ avisa o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner.

Na noite de 10 de agosto, um grupo de petistas se reuniu no apartamento do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Estavam lá o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e os ministros Jaques Wagner e Ciro Gomes (Integração Nacional). A campainha tocou e o deputado José Dirceu chegou. Sem ser convidado. E foi logo avisando:

¿ Não aceito ser cassado por corrupção. Se quiserem me cassar, vai ter que ser uma cassação política. Isso tem que ficar bem claro.

Mais tarde, Dirceu se queixou até do presidente. Sentia-se abandonado ¿ "um leproso", como definiu. Cobrou solidariedade:

¿ Tem duas semanas que estou tentando falar com Lula e não consigo. Por que ele não está falando comigo?

Quem ouviu entendeu como um recado direto ao gabinete presidencial. A partir dessa noite, Dirceu endureceu o jogo, manobrando para permanecer na chapa que vai disputar o comando do PT na eleição do dia 18.

¿ Se o governo abandonou até José Dirceu, imagine o resto. É por isso que instalou-se esse clima de chantagem no Congresso ¿ diz a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL).

Outra cena explícita foi protagonizada pelo líder do PP, deputado José Janene (PR). Ao ser informado de que o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), teria cogitado uma lista de cassações que incluía o seu nome, o do presidente do PP, Pedro Corrêa (PE), e do ex-líder do partido Pedro Henry (MT), Janene chamou todos.

Os líderes aliados chegaram assustados à "pensão do Janene", como é conhecida a casa do líder do PP. O deputado Sandro Mabel (GO), líder do PL, deixou um jantar familiar e correu à reunião. Chinaglia entrou tenso e saiu pior, porque Janene foi claro:

¿ Chinaglia, diga para Mercadante fazer a lista do PT. Caso contrário, nós é que faremos essa lista. Ninguém vai se fazer de santo na minha frente. A maioria sabe do que estou falando.

Janene ameaça Severino

Mais tarde, num encontro com integrantes de PL, PP, PTB e PT, Janene enfrentou o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti.

¿ Eu vou, mas carrego mais 26 do partido, inclusive você ¿ teria dito a Severino.

O presidente da Câmara nega:

¿ Sinceramente, até hoje não recebi qualquer apelo, nem do meu partido, nem das bases, para tomar uma decisão. Nada me tem influenciado. Julguei Sérgio Naya, que era do meu partido. Quem tomou a decisão fui eu. E outros que arquivei. Agora vou ter de decidir a vida de muitos companheiros.

Quando souberam que a CPI dos Correios decidira notificá-los, Janene e Corrêa foram a Mercadante, a quem repetiram mensagens cifradas e falaram sobre a "CPI de exceção".

Nessa comissão, a pressão é crescente. Quarta-feira passada, o presidente, senador Delcídio Amaral (PT-MS), foi convocado às pressas para uma reunião das bancadas de petistas nas três CPIs (Correios, Mensalão e Bingos) ¿ iniciativa de Chinaglia, que não foi.

Os senadores Ideli Salvatti (SC), Ana Júlia (PA), Fátima Cleide (RO) e Sibá Machado (AC) cobraram solidariedade e desfiaram queixas sobre o "excesso de neutralidade" de Delcídio. Até que uma das senadoras lembrou-lhe dos deveres com o partido. Aí Delcídio explodiu:

¿ Mas que bancada organizada! ¿ ironizou. ¿ Qual é a estratégia de vocês? Qual foi a coisa construtiva que fizeram na CPI? Quando negociaram alguma coisa com a oposição? Vocês dormem até tarde, não chegam na hora e se inscrevem como retardatários para falar. Qual o contraponto que fazem? Se não sou eu para negociar com a oposição, nada é feito.

No PTB do deputado Roberto Jefferson, o clima também é de terror, desde que acusou Salvador Zimbaldi (SP) e Osmânio Pereira (MG) de comandarem um esquema de arrecadação de recursos em Furnas. Os dois abandonaram o partido.

Até sexta-feira, a CPI dos Correios apresenta a primeira lista de deputados passíveis de punição, pela cassação do mandato. Começa aí o teste final para os ameaçados.

COLABOROU Lydia Medeiros